segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Teologia no Plural

Teologia no Plural é um grupo de pesquisa liderado pelo professor e pastor metodista Claudio de Oliveira Ribeiro, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Metodista de São Paulo. Como o nome do grupo sugere, o pluralismo religioso é o coração do trabalho. Com ele busca-se uma interpretação teológica do pluralismo e outras reflexões que valorizem a pluralidade, a alteridade ecumênica e a vivência desafiadora nas fronteiras da vida.

Para conhecer melhor este trabalho acadêmico vejam o texto: "O coração de Teologia no Plural: a interpretação teológica do pluralismo religioso", disponível em:
https://www.dropbox.com/home?preview=Teologia+no+Plural-principais+pesquisas.pdf


Há também alguns livros do autor que traduzem os temas pesquisados:


A Teologia das Religiões em Foco: um guia para visionários. São Paulo: Paulinas, 2012 [com Daniel Santos Souza].
Síntese didática dos principais autores e temas em torno da teologia das religiões, em suas variadas perspectivas teóricas, tanto no campo protestante como no católico-romano. Trata da visão ecumênica apresentando trajetórias de vida, experiência de diálogo intra e interreligioso, conceitos relativos ao pluralismo religioso e textos de autores/as com vivência e procedência de distintos continentes e inserções acadêmicas e pastorais.
Vídeo de divulgação:


O Rosto Ecumênico de Deus. São Paulo: Fonte Editorial, 2013 [em conjunto com Magali Cunha].
Análise das perspectivas ecumênicas, tanto em nível intra-cristão quanto na dimensão inter-religiosa, em especial as experiências que se formaram em torno do Conselho Mundial de Igreja, com destaque para aspectos históricos, teológico e prático-pastorais. O prefácio é de Julio de Santa Ana.






Pluralismo e Libertação. São Paulo: Paulinas, 2014.
Aborda o tema do pluralismo religioso, tanto no tocante à descrição do quadro de diferença religiosa no Brasil e suas causas, quanto no que diz respeito a uma teologia ecumênica das religiões. Trata dos desafios advindos das questões cristológica e missiológica e de uma teologia pública. O prefácio é de José Maria Vigil.






Religião, Democracia e Direitos Humanos: presença pública inter-religiosa no fortalecimento da democracia e na defesa dos direitos humanos no Brasil. São Paulo: Reflexão, 2016.
A tônica do livro é que toda e qualquer ação ou reflexão sobre democracia e/ou direitos humanos requer análises mais consistentes e posicionamentos mais nítidos acerca das questões que lhes são mais diretamente relacionadas, como o combate aos racismos, ao sexismo e ao homofobismo e a crítica ao sistema capitalista como produtor de desigualdades sociais, violência e pobreza. No caso das religiões no Brasil, tanto pelas históricas dificuldades no tratamento de tais questões quanto pela riqueza teológica de vários grupos que reagiram aos processos dominantes e se colocaram francamente a favor do aprofundamento da democracia e dos direitos, esse processo avaliativo, reflexivo e propositivo torna-se cada vez mais imperativo.
https://ssl5921.websiteseguro.com/editorareflexao1/Site.aspx/Carrinho/532?store=1
Outras informações veja a página eletrônica do grupo: Teologia no Plural





O coração de Teologia no Plural: a interpretação teológica do pluralismo religioso.

A diversidade religiosa no Brasil e em diversas partes do globo tem gerado novos desafios em diferentes campos do conhecimento, especialmente no das ciências da religião, da teologia e da antropologia. De maneira similar, as interfaces entre pluralismo religioso e questões políticas e econômicas são complexas e desafiadoras.

Aqui estamos diante de duas dimensões. A primeira entende o pluralismo como realidade social marcada pela visibilidade da diversidade religiosa, ou seja, um fato social identificado pela convivência – conflitiva, harmoniosa ou de indiferença – de diversas religiões na sociedade. A segunda é de caráter hermenêutico, como um tipo de juízo teológico sobre o pluralismo, vendo-o como algo positivo, como um objetivo a ser alcançado tendo em vista o processo democrático, ou ainda como um problema, se, por exemplo, ele for apenas a celebração da diversidade, sem um reconhecimento de diferenciais de poder próprios do sistema capitalista, reforçando assim o status quo. Embora, em nossas pesquisas, prevaleça a primeira dimensão, entendemos que temáticas sociais como a defesa dos direitos humanos e da democracia, por exemplo, requerem também perspectivas hermenêuticas sobre o pluralismo, como a segunda dimensão referida nos indica.

O fato que chama a nossa atenção é que, não obstante o fortalecimento institucional e popular de propostas religiosas com acentos mais verticalistas, em geral conflitivas, fechadas ao diálogo, marcadas por violência simbólica e de caráter fundamentalista, o campo religioso tem experimentado também formas ecumênicas de diálogo entre grupos distintos. Esse segundo conjunto de experiências é o que nos interessa neste trabalho. Diante desse quadro ambíguo surgem diferentes perguntas: como tal realidade, especialmente com as suas contradições, incide no quadro social e político e vice-versa? Como podem coexistir no mesmo tempo e espaço social práticas sociorreligiosas fechadas ao diálogo e aquelas que defendem a pluralidade e a aproximação de grupos religiosos? De que maneira as formas ecumênicas lidam com as próprias questões e limitações internas, como, por exemplo, não priorizarem ou não aprofundarem o diálogo em pontos cruciais da reflexão teológica como a relação entre religião e economia ou a defesa radical da democracia para além dos aspectos formais?

A interface do pluralismo religioso com dimensões da esfera política constitui uma temática nova no contexto latino-americano que, na primeira década do século XXI, desafiou os estudos de religião e tem exigido novos aportes teóricos. As análises anteriores privilegiavam setores específicos do quadro religioso brasileiro, especialmente o catolicismo e o pentecostalismo. Nossa perspectiva teórica visa ao reforço de uma lógica plural na reflexão em torno da religião e ao oferecimento de elementos teóricos que contribuam com as avaliações das consequências desse alargamento metodológico para o conjunto da sociedade. Tal perspectiva se dá tanto em relação às percepções teóricas mais abrangentes de análise sociocultural quanto também aos indicativos de novas práticas culturais e religiosas que possam ser mais dialógicas e marcadas pela alteridade e pelo respeito à diversidade, fortalecendo assim os processos de humanização, de valorização dos direitos humanos e de aprofundamento da democracia.

Estamos conscientes dos limites presentes em todos esses discursos, incluindo os que são construídos nas práticas de defesa dos direitos humanos. Muitas vezes tais discursos são cooptados pela força imperial do sistema capitalista e podem conviver com ela em certa harmonia e assimilação mútua quando limitados aos aspectos de uma democracia liberal formal. Por isso, assumimos a perspectiva de alguns autores que defendem a necessidade de se estabelecer uma visão contra-hegemônica dos direitos humanos.

Consideramos que os resultados das pesquisas que ora apresentamos poderão incidir em melhores referenciais teóricos para as análises sociais, no tocante aos papéis da religião e do pluralismo quanto às práticas sociais que visem ao fortalecimento democrático e à cidadania. Eles poderão responder a necessidades advindas da prática de setores que trabalham com educação religiosa nas esferas públicas e privadas, confessionais ou não, dos setores da imprensa e da mídia em geral no trato de situações que emergem do quadro religioso, e das demandas surgidas em setores governamentais e não governamentais em torno da formulação de políticas públicas, da prestação de serviços, assessorias, consultorias e de avaliações do quadro religioso e do lugar das religiões nas questões sociais e políticas.

Como sabemos, os temas relacionados ao pluralismo religioso vêm ganhando destaque no debate acadêmico atual. Em parte, isso se dá como resposta à realidade sociocultural na qual encontramos nas últimas décadas maior visibilidade da diferença religiosa, no Brasil e no mundo, maior intensidade no debate sobre religião e democracia, especialmente os temas ligados à laicidade do Estado, mas também a ambiguidade de termos, ao mesmo tempo, situações conflitivas e busca de diálogo entre grupos religiosos distintos em diferentes áreas da vida social. Além disso, também ganha nitidez no Brasil o número de pessoas que se declaram “sem-religião”, como nos mostram os últimos censos do IBGE, o que reforça a agenda temática da laicidade do Estado e questões afins.

Sem perder de vista os esperados padrões acadêmicos de objetividade, ainda que tal meta não seja inteiramente factível, e de marcos teóricos definidos, nossas reflexões também estiveram e procuram estar mergulhadas em um contexto de experiências pessoais tanto em termos da valorização da dimensão ecumênica quanto da preocupação prática com a defesa dos direitos humanos e da democracia. A vocação ecumênica me acompanha desde a adolescência; ela me alcançou na trajetória eclesial na qual vivi as aventuras espirituais que fizeram florescer, nos anos de 1980, maior sensibilidade com relação à realidade da vida, especialmente das pessoas e grupos empobrecidos, e maior abertura ecumênica para responder aos desafios que a fé cristã nos apresentava.

Daí vieram os esforços de formação dentro da visão teológica latino-americana, as iniciativas de uma pastoral sensível aos “sinais dos tempos”, marcada pelo apelo à solidariedade com os que sofrem, pela prática da justiça e da paz, pelas lutas contra as formas de discriminação e pela promoção dos direitos humanos e da vida como um todo. Foram inúmeras as experiências ao longo dos anos: inserção em projetos de pastoral popular no contexto das igrejas metodistas da Baixada Fluminense-RJ; participação e acompanhamento de atividades de diferentes grupos e organizações ecumênicas como Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) – posteriormente Koinonia Presença Ecumênica e Serviço –, Centro Ecumênico de Serviço à Educação Popular e à Evangelização (CESEEP), Instituto de Estudos da Religião (ISER), Pastoral Universitária do Instituto Metodista Bennett, programas Parceiros na Missão (Inglaterra) e Face to Face (Canadá), articulação nacional das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que possui forte teor ecumênico, tanto no nível intracristão quanto no inter-religioso, e, mais recentemente, o Programa de Cooperação e Diálogo Inter-Religioso do Conselho Mundial de Igrejas (CMI). Somam-se a isso as nossas tarefas docentes e de assessoria a grupos populares e a outros interessados em “outro mundo possível”, como nos indicam os fóruns sociais mundiais.

Nossa pressuposição em todas as reflexões é aquela que aprendemos com o movimento ecumênico: que o ecumenismo possui uma tríplice dimensão – a unidade cristã, com base no reconhecimento do escândalo histórico das divisões e na preocupação em construir perspectivas missionárias ecumênicas; a promoção da vida, firmada nos ideais utópicos de uma sociedade justa e solidária e na compreensão de que podem reger a organização da sociedade integrando todas as pessoas e grupos de “boa vontade”; e o diálogo inter-religioso, na busca incessante da superação dos conflitos entre as religiões, pela paz e pela comunhão justa dos povos.

Foi com esse espírito que organizamos o grupo de pesquisa Teologia no Plural. Ele é certificado pela Universidade Metodista de São Paulo na plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), reúne professores e estudantes de Teologia e de Ciências da Religião e tem se preocupado com a importância da lógica plural para o método teológico. Em resumo, partimos da identificação de aspectos que, nas últimas décadas, têm limitado ou facilitado o alargamento do método e consequentemente oferecido menor ou maior capacidade de formulação de respostas teológicas consistentes diante da complexidade da realidade social latino-americana, em especial a diferença cultural nas linguagens da religião no Brasil e o pluralismo religioso.

O grupo está integrado à área "Linguagens da religião", dentro da linha de pesquisa "Teologia das religiões e cultura" do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade e nela responde ao eixo temático "Conhecimento Social, Mediações Socioculturais e Inclusão para a Cidadania". Ele está articulado com o Grupo de Trabalho "Espiritualidades contemporâneas, pluralidade religiosa e diálogo", da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Teologia e Ciências da Religião (Anptecre), e da Sociedade de Teologia e Estudos de Religião (Soter), coordenado pelo Prof. Dr. Roberlei Panasiewicz (PUC Minas), Gilbraz Aragão (Unicap-PE) e por mim (Umesp).

Nas análises a seguir apresentamos resultados de projetos de pesquisa que aglutinam temas relacionados ao pluralismo religioso, e por isso, constituem o núcleo central do grupo Teologia no Plural. Neles encontramos a análise de aspectos que servem de base para uma sistematização das principais implicações teóricas e práticas da formação de uma lógica plural na reflexão teológica e nas ciências da religião, seguidas de uma avaliação das implicações para os processos sociais. Tais análises redundaram na indicação de dimensões básicas e em novos aportes teóricos para uma teologia ecumênica das religiões.

Dois projetos de pesquisa por mim desenvolvidos têm sido as bases de referência e de articulação do grupo, em função da ênfase na interpretação teológica do quadro de pluralismo religioso. Os resultados estão divulgados em uma variada produção, que passemos a apresentar:

1. Projeto de pesquisa: "Pluralismo e Religiões: novas interpelações entre teologia e cultura, tendo em vista uma teologia ecumênica das religiões" (2013-2015)

O projeto, diante do quadro atual de mudanças sociais e religiosas, discutiu a importância de um equacionamento adequado para as relações entre teologia e cultura e o valor dos estudos culturais para a reflexão teológica na atualidade com vistas a uma teologia ecumênica das religiões. Para isso, foram analisados aspectos, que serão oportunamente descritos, que servem de base para uma sistematização das principais implicações teóricas e práticas da formação de uma lógica plural na reflexão teológica e nas ciências da religião, seguidas de uma avaliação das implicações para os processos sociais. Da mesma forma, procurou-se indicar aspectos básicos e novos aportes teóricos para uma teologia ecumênica das religiões.

A pesquisa foi motivada pelo destaque que a temática do pluralismo religioso tem ocupado na sociedade, tanto em termos nacionais como no mundo todo. Além disso, o pluralismo religioso tem tido também destaque no contexto acadêmico, em diferentes áreas do conhecimento. Do ponto de visto prático, a necessidade da pesquisa se tornou mais evidente, entre outros fatores, pelos debates suscitados na disciplina "Hermenêutica do Pluralismo Religioso" (na versão ministrada no PPG-CR/UMESP no segundo semestre de 2011). Dela se originou a produção de um livro didático que apresenta uma introdução à teologia das religiões:

A Teologia das Religiões em Foco: um guia para visionários. São Paulo: Paulinas, 2012, de Claudio Ribeiro e Daniel Santos Souza. A obra é uma síntese didática dos principais autores e temas em torno da teologia das religiões, em suas variadas perspectivas teóricas, tanto no campo protestante como no católico-romano. Trata da visão ecumênica apresentando trajetórias de vida, experiência de diálogo intra e interreligioso, conceitos relativos ao pluralismo religioso e fragmentos de textos de autores/as com vivência e procedência de distintos continentes e inserções acadêmicas e pastorais.

A repercussão da obra nos levou a aprofundar a temática, sistematizando as questões levantadas a partir de eixos conceituais de análise [e não mais por autores como é a proposta do referido livro]. No mesmo ano, foram produzidos nessa direção quatro artigos publicados em revistas acadêmicas bem qualificadas. Eles foram desenvolvidos concomitantemente à elaboração do projeto que ora descrevemos os resultados e se constituíram em base para ele. Na sequência, encontramos a descrição dos textos, em resumo, para que tenhamos uma visão geral dessa fase da pesquisa.

Em "Pluralismo e religiões: bases ecumênicas para uma teologia das religiões" (Estudos de Religião, v. 26, n. 42, p. 209-237, 2012) são apresentadas as bases de uma teologia ecumênica das religiões, considerando os desafios do tempo presente, em especial o pluralismo religioso e cultural, e tendo em vista a construção de uma lógica plural para o método teológico. Apresenta, também, sínteses da visão de autores que têm dado uma contribuição relevante para o tema, como Paul Knitter, Andrés Torres Queiruga, Roger Haight e John Hick, no campo europeu e estadunidense, e José Maria Vigil, Marcelo Barros, Diego Irarrazaval e Faustino Teixeira, no campo latino-americano.

Outro texto em destaque é "Ecumenismo, pluralismo e religiões: a busca de novos referenciais teóricos". Revista Eclesiástica Brasileira (REB), v. 72, n. 287, p. 651-663, 2012. Como indicativo da necessidade de novos referenciais teóricos para as ciências da religião está uma compreensão mais adequada da diversificação cada vez mais visível do quadro religioso e o crescente anseio da parte de diferentes grupos pelos diálogos interreligiosos, não obstante ao simultâneo fortalecimento das propostas de cunho fundamentalista. Este panorama tem implementado novas perspectivas hermenêuticas, teológicas ou não, mas ainda possui no horizonte a maior parte de suas questões. Estas também necessitam ser formuladas de maneira mais adequada e debatidas com profundidade.

"Religiões e Paz: perspectivas teológicas para uma aproximação ecumênica das religiões" (Horizonte, v. 10, n. 27, p. 917-936, 2012) trata das possibilidades de uma teologia ecumênica das religiões tendo como eixo articulador a preocupação pela paz, pela justiça e pela integridade da criação. O objetivo foi analisar temas de destaque para o cenário das análises sociais e teológicas como: a) O valor do humano e da ética social para o diálogo interreligioso, b) As possibilidades de uma unidade aberta, convidativa e integradora no âmbito das religiões; c) A importância pública das religiões; d) As religiões como códigos de comunicação; e) O poder do império e o poder do diálogo das religiões. Para isso, recorre-se às contribuições de Hans Küng, Jürgen Moltmann, Julio de Santa Ana, Xavier Pikaza e José Comblin respectivamente.

Em "A teologia diante das culturas afro-indígenas: interpelações ao método teológico". (Numen, v. 15, n.2, p. 515-535, 2012) há uma reflexão sobre questões que interpelam o método teológico, suscitadas pela realidade das culturas afro-indígenas, especialmente a relação entre subjetividade e racionalidade. As realidades das culturas religiosas afro-indígenas que marcam o contexto latino-americano, se consideradas pela reflexão teológica, em postura de diálogo crítico e interpelador, possibilitam uma revisão do método teológico em diferentes aspectos. Dois deles são destacados no texto: O primeiro é o alargamento da visão sobre a realidade, sobre o ser humano e sobre o cosmo baseado na primazia da vivência comunitária em detrimento das lógicas doutrinais e formais, e também na maior ênfase na dimensão do despojamento e da autodoação em contraposição às formas cristológicas sacrificialistas; descartadas, no entanto, as muitas idealizações das referidas culturas feitas por diferentes círculos. O segundo é que as dimensões de subjetividade e as experiências lúdicas e rituais dos grupos religiosos afro-indígenas, uma vez vistas como interpelação à teologia cristã, redimensionaria o caráter fortemente racional nela presente e geraria novas sínteses entre fé e ações práticas.

Estas foram, em síntese, as bases teóricas inicias da pesquisa. Os resultados finais dela estão sistematizados e publicados em artigos científicos de revistas acadêmicas igualmente bem qualificadas. A síntese de cada um dos sete artigos abaixo refletem os resultados e a metodologia aplicada para o alcance dos objetivos propostos.

O primeiro é "Um olhar sobre o atual cenário religioso brasileiro: possibilidade e limites para o pluralismo". Estudos de Religião, v. 27, n. 2, p. 53-71(2013). A pesquisa procurou identificar os aspectos do quadro religioso brasileiro atual que consideramos os mais importantes para uma compreensão das possibilidades e dos limites do pluralismo religioso. Entre tais aspectos estão: (i) a relação da matriz religiosa e cultural brasileira com as marcas do pluralismo religioso atual, (ii) os processos de privatização das experiências religiosas, especialmente como o fato econômico intervêm nas experiências religiosas, (iii) os processos de secularização e as novas formas religiosas, incluindo as formas de trânsito religioso e o lugar das mídias no processo religioso, e (iv) a relação entre as expressões de fundamentalismo e as de pluralismo e como ela interfere em processos de reforço à democracia e às experiência religiosas de cunho libertador. Para efetuar tais análises, recorremos às concepções que consideramos fundamentais para uma hermenêutica do quadro de pluralismo religioso, a saber: (i) a noção de alteridade e a sua implicação para o estudo científico da religião (cf. Martin Buber e Emmanuel Lévinas), e (iii) os processos de interculturalidade facilitados pela maior velocidade das comunicações, pelo desapego às tradições e pela mobilidade rural-urbana (cf. Raul Fornet-Betancourt), e (iii) a concepção de entre-lugar, como trabalho fronteiriço da cultura, que requer um encontro com “o novo” que não seja mera reprodução ou continuidade de passado e presente (cf. Homi Bhabha).

Em "Fé e pluralismo religioso: reflexão a partir da teologia de Paul Tillich" (Correlatio, v. 12, n. 23, 2013, p. 29-41) a reflexão gira em torno da confluência entre os pensamentos de Paul Tillich e os da teologia latino-americana no tocante à perspectiva pluralista de compreensão da fé. O pressuposto é que a vocação ecumênica, ao marcar as reflexões teológicas e pastorais, indica que o caráter de apologia, de sectarismo ou de exclusivismo são ou devem ser evitados. Deus é sempre maior do que qualquer compreensão ou realidade humana. Age livremente, em especial na ação salvífica. Nesse sentido, não é preciso estar excessivamente preocupado em descobrir quem é ou será salvo (para utilizar o imaginário comum dos cristãos); mas quem é e o que representa Jesus Cristo para a comunidade cristã. Essa perspectiva de Tillich o remete à busca de um novo paradigma para a teologia das religiões. Trata-se da superação dos seguintes modelos: o que considera Jesus Cristo e a Igreja como caminho necessário para a salvação; o que considera Jesus Cristo como caminho de salvação para todos, ainda que implicitamente; e aquele no qual Jesus é o caminho para os cristãos, enquanto para os outros o caminho é a sua própria tradição. A perspectiva pluralista, que advogamos, possui como característica básica a noção de que cada religião tem a sua proposta salvífica e de fé que devem ser aceitas, respeitadas e aprimoradas a partir de um diálogo e aproximação mútuas. Assim, a fé cristã, por exemplo, necessita ser reinterpretada a partir do confronto dialógico e criativo com as demais fés. O mesmo deve se dar com toda e qualquer tradição religiosa.

No texto "A teologia latino-americana diante do pluralismo religioso" (Horizonte v. 11, n. 32, p. 1436-1460, 2013) encontramos uma análise dos principais desafios do pluralismo religioso para o contexto teológico latino-americano. Como resultado de nossa pesquisa, formulamos três eixos norteadores da temática: I. A importância pública das religiões para os processos de promoção da paz e da justiça, associada ao valor da mística e da alteridade na formação de espiritualidades ecumênicas e como elas incidirão nos processos religiosos e sociais, favorecendo perspectivas libertadoras. II. A necessidade de mudança de lugar teológico a partir da realidade das culturas religiosas afro-indígenas. III. A contribuição da teologia feminista da libertação para o debate do pluralismo religioso. Metodologicamente, reunimos a produção teológica latino-americana em torno das questões do pluralismo religioso, identificamos os aspectos principais, especialmente os que interpelam mais diretamente o método teológico e sistematizamos os pontos que consideramos mais desafiadores em torno dos três eixos já referidos. Uma versão similar, mas com conteúdos distintos, foi publicada em "Towards an ecumenical theology of religions throught a latin american lens". Exchange 44 (2015), p. 83-102.

A questão cristológica é discutida em "Pluralismo e religiões: a questão cristológica em foco". Horizonte, v. 11, n. 29, p. 353-380, 2013. O texto apresenta uma perspectiva cristológica plural na relação interreligiosa, a partir da visão de que cada expressão religiosa tem a sua proposta salvífica e de fé que devem ser aceitas, respeitadas, valorizadas e aprimoradas a partir de um diálogo e aproximação mútuas. Tal perspectiva não anula nem diminui o valor das identidades religiosas - no caso da fé cristã, a importância de Cristo -, mas leva-as a um aprofundamento, amadurecimento e reinterpretação, movidos pelo diálogo e pela confrontação justa, amável e corresponsável. Consideramos que tal visão, em certo sentido, supera outros modelos como aquele que considera Jesus Cristo e a Igreja como caminho exclusivo de salvação; o que considera Jesus Cristo como caminho de salvação para todos, ainda que implicitamente, o que se denominou inclusivismo; e a perspectiva relativista na qual Jesus é o caminho para os cristãos, enquanto para os outros o caminho é a sua própria tradição, sem maiores esforços de autocríticas, revisões e mútua interpelação. Na visão pluralista, os elementos chaves da vivência religiosa e humana em geral são alteridade, respeito à diferença e o diálogo e cooperação prática e ética em torno da busca da justiça, da paz e do bem-comum. A aproximação e o diálogo entre grupos de distintas expressões religiosas cooperam para que elas possam construir ou reconstruir suas identidades e princípios fundantes.

Em "Missão Cristã e compromisso ecumênico" (Caminhando, v. 18, n. 2, jul/dez 2013, p. 129-141) relacionamos duas dimensões fundamentais da fé cristã que é a missão e a perspectiva ecumênica. As bases metodológicas de análise foram avaliações de contribuições de diferentes perspectivas teológicas para o tema da missão diante do pluralismo religioso, como as de Michael Amaladoss e de Christine Lienemann-Perrin e a dos teólogos metodistas Wesley Ariarajah e Inderjit Bhogal. Como resultado, indicamos perspectivas fundadas no valor do humano e da ética social para o diálogo interreligioso e para a prática missionária, as possibilidades de uma unidade aberta, convidativa e integradora no âmbito das religiões e como a aproximação e diálogo influem na defesa dos direitos humanos e como eles redimensionam a missão cristã. Nossa intenção foi realçar as possibilidades de uma teologia da missão, de inspiração dialogal e ecumênica, tendo como eixo articulador a preocupação pela paz, pela justiça e pela integridade da criação.

Um sexto texto discute aspectos da espiritualidade a partir de uma chave inter-religiosa: "Teologia e espiritualidade ecumênica: implicações para o método teológico a partir do diálogo interreligioso". Estudos Teológicos, v. 53, n.1, p. 57-73, jan/jun 2013. Diante do pluralismo religioso faz-se necessária para a teologia das religiões uma atenção especial à articulação entre a capacidade de diálogo dos grupos religiosos e os desafios em torno da defesa dos direitos humanos e da promoção da paz, pressupondo que a espiritualidade ecumênica requer visão dialógica, alteridade, profunda sensibilidade com as questões que afetam a vida humana e inclinação para os processos de humanização, favorecendo assim perspectivas utópicas, democráticas e doadoras de sentido na sociedade.

Em "Bases teológicas cristãs para o discernimento do pluralismo religioso" (Pistis & Praxis, v. 6, n. 1, 2014, p. 209-228) a reflexão reside em torno de possibilidades de discernimento bíblico-teológico das realidades sociais marcadas pelo pluralismo religioso. Metodologicamente, três passos foram dados: a identificação da noção bíblica de alteridade, a identificação da abertura ao diálogo e a prática interativa que a visão trinitária da fé cristã oferece, e um levantamento das questões em torno do desafio da visão cristológica diante do quadro de valorização do pluralismo religioso.

Os principais resultados da pesquisa encontrados nos referidos textos estão reorganizados em duas obras:

Pluralismo e Libertação (São Paulo: Paulinas, 2014), que aborda o tema do pluralismo religioso, tanto no tocante à descrição do quadro de diferença religiosa no Brasil e suas causas, quanto no que diz respeito a uma teologia ecumênica das religiões. Trata dos desafios advindos das questões cristológica e missiológica e de uma teologia pública que realce as dimensões do pluralismo e da libertação.

E O Rosto Ecumênico de Deus. (São Paulo: Fonte Editorial, 2013, escrita em conjunto com Magali Cunha), que apresenta uma análise das perspectivas ecumênicas, tanto em nível intra-cristão quanto na dimensão inter-religiosa, em especial as experiências que se formaram em torno do Conselho Mundial de Igreja, com destaque para aspectos históricos, teológico e prático-pastorais.


2. Projeto de pesquisa: "Presença pública inter-religiosa, democracia e direitos humanos no Brasil" (2016-2017).

A pesquisa, ainda em curso, analisa questões que emergem do quadro de pluralismo religioso e que se relacionam com a temática dos direitos humanos e com processos de aprofundamento da democracia no Brasil. Ela objetiva indicar bases conceituais para análise dos espaços fronteiriços entre a presença pública das religiões, em especial os diálogos inter-religiosos no Brasil, e os esforços de aprofundamento da democracia e de articulação contra-hegemônica na defesa dos direitos humanos. Metodologicamente, tem sido priorizado em um primeiro momento um balanço de questões que demarcam o caminho da análise ecumênica das religiões, pois elas geram novas perspectivas teóricas em torno dos temas tratados. Analisamos as relações entre perspectiva ecumênica, direitos humanos e democracia a partir de experiências inter-religiosas no Brasil, e temos mostrado como a emancipação humana vivenciada na interculturalidade das experiências religiosas se articula frontalmente com as questões teológicas em torno da democracia. Entre os resultados da pesquisa, esperamos apresentar bases teóricas que mostram ser necessária para as análises sociais uma atenção especial à articulação entre a perspectiva dialógica dos grupos religiosos e os desafios em torno da defesa dos direitos humanos, da democracia e do reforço a lógicas inclusivas. Também a indicação de como as práticas e as formas de espiritualidade ecumênica que emergem do pluralismo religioso - cujos valores residem na dimensão de alteridade - incidem nos processos culturais e sociais, reforçando visões libertadoras e democráticas para setores representativos da sociedade.

O objetivo geral da pesquisa é investigar as relações entre perspectiva ecumênica, direitos humanos e democracia a partir de experiências inter-religiosas no Brasil, procurando identificar os impactos de tais experiências no aprofundamento da democracia e da capacidade contra-hegemônica na defesa dos direitos humanos. Para isso, temos os seguintes objetivos específicos:

- Identificar as principais questões que demarcam o caminho da análise científica das religiões, em especial no campo religioso brasileiro, a partir de referenciais teóricos que priorizam a ênfase nas fronteiras.
- Analisar aspectos das tendências atuais do quadro religioso, tanto em relação aos processos de privatização das experiências religiosas, que não favorecem a relação entre experiência religiosa e a luta pelos direitos humanos, como os processos de presença pública das religiões, em suas versões que são usualmente conhecidas como "conservadoras" e "progressistas", em especial no tocante aos processos democráticos.
- Indicar bases conceituais para análise do objeto da pesquisa que se constitui nos processos fronteiriços entre a presença pública das religiões em especial os diálogos inter-religiosos.
- Investigar as relações entre perspectiva ecumênica, direitos humanos e democracia a partir de experiências religiosas e inter-religiosas no Brasil e mostrar como a emancipação humana vivenciada nas experiências religiosas se articula frontalmente com as questões teológicas em torno da democracia.
Até o momento dois textos apresentam resultados parciais do trabalho feito:

"Pluralismo religioso, direitos humanos e democracia" (Horizonte, v. 13, p. 1805-1825, 2015) cuja reflexão gira em torno de questões que emergem do quadro de pluralismo religioso e que se relacionam com a temática da defesa dos direitos humanos e com os processos de aprofundamento da democracia. Metodologicamente, foi priorizado em um primeiro momento um balanço de questões que demarcam o caminho para uma teologia ecumênica das religiões, pois elas geram novas perspectivas teológicas em torno dos temas tratados. Em seguida, destacamos (i) alguns aspectos da tendência atual dos processos de privatização das experiências religiosas, com a premissa que tais aspectos não favorecem a relação religião e direitos humanos, (ii) analisamos as relações entre teologia ecumênica e direitos humanos, privilegiando o diálogo com a noção de globalização contra-hegemônica, de Boaventura de Souza Santos e (iii) mostramos como a emancipação humana se articula frontalmente com as questões teológicas em torno da democracia. Entre os resultados da pesquisa, destacamos bases teóricas como o conceito de direitos humanos contra-hegemônicos, visão dialógica e alteridade ecumênica.

O segundo é o livro Religião, Democracia e Direitos Humanos: presença pública inter-religiosa no fortalecimento da democracia e na defesa dos direitos humanos no Brasil. São Paulo: Reflexão, 2016. A tônica do livro é que toda e qualquer ação ou reflexão sobre democracia e/ou direitos humanos requer análises mais consistentes e posicionamentos mais nítidos acerca das questões que lhes são mais diretamente relacionadas, como o combate aos racismos, ao sexismo e ao homofobismo e a crítica ao sistema capitalista como produtor de desigualdades sociais, violência e pobreza. No caso das religiões no Brasil, tanto pelas históricas dificuldades no tratamento de tais questões quanto pela riqueza teológica de vários grupos que reagiram aos processos dominantes e se colocaram francamente a favor do aprofundamento da democracia e dos direitos, esse processo avaliativo, reflexivo e propositivo torna-se cada vez mais imperativo.

Desejamos que as reflexões apresentadas estimulem novas ideias, práticas e caminhos para uma compreensão mais adequada do pluralismo religioso e possam gerar novos debates e posicionamentos. (Claudio de Oliveira Ribeiro)


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Reflexões sobre o Deus Muçulmano

Reflexões sobre o Deus Muçulmano













Timothy Paul Erdel

Parece que cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus, o único verdadeiro Deus, um Deus de graça e amor, a quem devemos gratidão eterna. Tanto cristãos quanto muçulmanos adoram ao Deus de Abraão, o Deus que ouviu o choro de Ismael, falou com sua mãe, Hagar, que estava chorando, poupou a ambos e prometeu fazer de Ismael uma grande nação. Portanto, só poderia ser adequado William Lane Craig recuperar o argumento cosmológico muçulmano medieval do Kalan sobre a existência de Deus. Portanto, parecia ser natural quando meu bondoso aluno muçulmano do Senegal, Abdou Aziz Thianoum, levantava rotineiramente sua mão e pedia-me para que me lembrasse de suas necessidades específicas, isto é, quando perguntava se havia algum pedido dos alunos pelos quais deveria orar antes do início de cada aula de Introdução à Filosofia na última primavera em Bethel College, Mishawaka, Indiana.

Nesta mesma primavera, Aziz fez o discurso de despedida por sua formatura, no banquete do time de basquete masculino Bethel College Pilots. Ninguém se esforçou mais nos treinos durante seu tempo em Bethel; mas, devido a uma série de erros de comunicação extremamente frustrantes e algumas decisões burocráticas, um excelente futuro atleta de ponta (que havia recebido autorização para jogar na divisão I da NCAA - associação de basquete universitário americana) nunca recebeu a certificação para jogar no nível II da NAIA - outra associação de basquete universitário com menor prestígio que a NCAA - pela Bethel. Nem um único segundo ele jogou, por problemas burocráticos. Apesar disso, seu discurso de despedida foi de extrema gratidão por tudo que a Bethel é e por tudo o que a família Bethel havia feito em seu favor. Embora tivesse começado com um pedido de desculpas por não ser capaz de expressar adequadamente suas emoções verdadeiras, já que ele "nunca chorava", logo irrompeu em choro, soluçando incontrolavelmente, e finalmente, após esforços repetidos para recuperar a compostura, voltou à sua mesa, onde baixou sua cabeça e chorou silenciosamente até o final do banquete. A graça de Deus parecia muito mais evidente em sua vida do que na de outras pessoas naquele campus que eram cristãos confessos.

Ao contrário, o Deus cristão é o Deus Triúno da ortodoxia histórica cristã, Pai, Filho e Espírito Santo, o Deus que é amor no âmago do seu ser por toda a eternidade precisamente porque há um relacionamento de amor eterno e triúno entre essas três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo. Esse Deus Triúno, negado pelos muçulmanos, criou todo o universo, fazendo dos humanos sua imagem e semelhança. Esse Deus de graça e misericórdia não pesa nossas boas e más obras em uma balança para ver se iremos para o céu ou para o inferno. Em vez disso, o Deus revelado nas Escrituras move a balança radicalmente em nosso favor, muito além de qualquer mérito possível de nossa parte. Ele faz assim por causa da justificação proporcionada por seu unigênito Filho, que sofreu e morreu em nosso favor, suportando uma sequência inacreditavelmente cruel: traição, negação, deserção, zombaria, espancamentos, açoitamentos e crucificação. Ninguém que abertamente nega o sacrifício salvífico de Jesus na cruz deve esperar entrar no Reino de Deus.

É revelador o fato de alguns ramos do Islã, como o sufismo, que parecem mais abertos à graça e misericórdia divinas que outros, serem declarados heréticos por outras correntes do Islã. Portanto, o caminho ao Deus de graça e misericórdia está bloqueado por afirmações dogmáticas negando a pessoa divina e a obra salvífica de Jesus Cristo, o Filho de Deus.

Respondo que há apenas um Juiz, e ainda vemos através de um vidro escuro. Se nossas orações forem ouvidas e respondidas, além de todo o deserto, esperança ou expectativa, quem somos nós para determinarmos se Deus ouve ou não e responde as orações e a adoração de um muçulmano? A maior parte das ações de Deus permanecem um mistério para nós. Quem somos nós para declararmos de maneira definitiva o que Deus faz ou deveria fazer em resposta aos lamentos e súplicas e orações e adoração daqueles que são criados à sua imagem? Embora precisamos pregar e ensinar a verdade cristã da forma mais clara e cuidadosa possível, nunca fazendo concessões sobre as afirmações das Escrituras, encorajando os muçulmanos a abraçarem a verdadeira fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus, não estamos em posição de fazer nenhuma determinação final ,que é prerrogativa de Deus e mais ninguém. Cabe a Deus, não a nós, decidir o quão abrangente é a sua misericórdia. Oro pela salvação de Aziz assim como oro pela minha própria salvação e da de meus familiares. Que Deus, em sua grande misericórdia, ouça as orações de seus filhos e filhas.

Timothy Paul Erdel é Professor de Religião and Filosofia em Bethel College,
Indiana.



Traduzido por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Construindo Pontes de Paz em Meio à Diversidade Religiosa

Construindo Pontes de Paz em Meio à Diversidade Religiosa


Sarita D. Gallagher

A pergunta "cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" é uma que atrai tanto o interesse quanto a polarização. Nas últimas semanas, eventos ocorridos na minha alma mater, Wheaton College, alçaram esta discussão a um nível nacional. Teólogos cristãos e muçulmanos têm discutido essa questão pertinente através da história, inclusive estudiosos como Martinho Lutero, Nicolau de Cusa, João de Segóvia, Ahmad Ibn Taymīyah e mais recentemente Phil Parshall, Dudley Woodberry, Timothy George, Reza Shah-Kazemi e Miroslav Volf. A questão da existência de uma deidade compartilhada pelas religiões Abraâmicas tem sido analisada sob uma série de perspectivas: linguística, teológica, política e socio-cultural, histórica e missiológica. Apesar dos séculos de discursos debatendo a natureza e identidade do Deus Abraâmico, esta questão permanece relevante em nosso mundo de hoje e exige um exame renovado.

No campo da missiologia, a discussão sobre a relação entre o Islã e o cristianismo se concentra principalmente na questão da contextualização do evangelho para os povos muçulmanos. Desde os primeiros esforços missionários de líderes cristãos como Francisco de Assis no século 13, os missionários cristãos têm buscado construir pontes de comunicação e respeito mútuo com os líderes e fiéis muçulmanos no mundo todo. Compreender que os povos muçulmanos são criados e amados por Deus tem sido fundamental nesse esforço. A história familiar compartilhada por ambas as religiões através de Abraão, a epistemologia do termo árabe "Alá" e a aceitação de parte dos escritos proféticos judaicos e cristãos pelos muçulmanos têm sido uma plataforma para abertura de portas para um diálogo interreligioso respeitoso e para o testemunho cristão.

Embora a contextualização seja amplamente aceita na missiologia, a questão sobre haver um Deus compartilhado é mais controversa. Os principais motivos para tal discordância incluem questões soteriológicas e cristológicas subjacentes ao debate, tais como a salvação através de Cristo, a divindade de Cristo, a revelação divina e a exclusividade versus universalidade. Por trás da questão de uma deidade Abraâmica compartilhada, há uma infinidade de implicações teológicas consideráveis. Por exemplo, se Alá é Deus, então a religião islâmica é de Deus? Yahweh falou com Muhammad ibn ‘Abdullāh através de um anjo na Caverna de Hira, em 610 dC? Se sim, contém o Alcorão novas revelações vindas de Deus? Se for este o caso, os ensinamentos alcorânicos sobre Jesus de Nazaré devem ser levados em consideração. De acordo com o Alcorão, Jesus nasceu de uma virgem (Surata 19.16-21) mas foi criado por Deus (3.59). Além disso, Jesus é entendido como sendo um ser humano e mensageiro de Deus, mas não como sendo Deus (5.75). De acordo com o Alcorão, Jesus não foi crucificado, tampouco ressuscitou dos mortos. Ao invés, Deus levou-o aos céus em seu estado humano (4.157-158). Finalmente, embora Jesus volte no fim dos tempos, ele irá rejeitar claramente o fato de ser Deus além de negar o ensinamento herético da Trindade (4.159; 5.116-118).

As implicações missiológicas de cada resposta à pergunta "cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" são vastas. Embora responder a esta indagação com um simples "sim" ou "não" seja tentador, ela exige uma reflexão teológica cuidadosa. Enquanto me reunia com meu grupo de diálogo interreligioso nesta manhã em Portland, Oregon, lembrei-me da importância de se construir pontes de paz em meio à diversidade religiosa. Ao avançarmos nesta discussão, é crucial admitirmos as diferenças teológicas únicas entre o cristianismo e o Islã enquanto também mantemos nosso comprometimento em buscarmos relacionamentos pacíficos com nossos vizinhos muçulmanos.

Obras citadas
Ibn Taymīyah, Ahmad. Jawāb al-Ṣaḥīḥ li-Man Baddala Dīn al-Masī 1316.
George, Timothy. Is the Father of Jesus the God of Muhammad?: Understanding the Differences Between Christianity and Islam. (O Pai de Jesus é o Deus de Muhammad?: Compreendendo as Diferenças entre Cristianismo e o Islã. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2002.
João de Segóvia. De Mittendo Gladio in Saracenos. Século 15.
Lutero, Martinho. Sobre a Guerra Contra os Turcos. 1529.
Nicolau de Cusa. De Pace Fidei.1453.
Parshall, Phil. The Cross and the Crescent. (A Cruz e o Crescente) Wheaton, IL: Tyndale House, 1989.
Shah-Kazemi, Reza. “Do Muslims and Christians Believe in the Same God. (Muçulmanos e Cristãos Crêem no Mesmo Deus?)” In Do We Worship the Same God?: Jews, Christians, and Muslims in Dialogue. (Adoramos ao Mesmo Deus? Judeus, Cristãos e Muçulmanos em Diálogo. Miroslav Volf ed. Grand Rapids, MI: Eedrmans, 2012.
Volf, Miroslav. Allah: A Christian Response. (Alá: Uma Resposta Cristã) New York: Harper One, 2011.
Woodberry, J. Dudley. “Contextualization Among Muslims Reusing Common Pillars. (A Contextualização Entre os Muçulmanos Reutilizando Pilares Comuns)” International Journal of Frontier Missions.Vol. 13:4 (Out.-Dez. 1996): 171-186.
_____. Muslims and Christians on the Emmaus Road (Muçulmanos e Cristãos no Caminho de Emaús). Monrovia, CA: MARC, 1989.


Sarita D.Gallagher é Professora Associada de Religão na George Fox University.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Como Ajudar os Cristãos a Pensar sobre "Alá" e Assuntos Contemporâneos a Partir de Perspectivas Missiológicas.

"Jogo dos Sete Erros": Como Ajudar os Cristãos a Pensar sobre "Alá" e Assuntos Contemporâneos a Partir de Perspectivas Missiológicas.



Leonard N. (Len) Bartlotti*

Durante as férias, tive o prazer de jogar o jogo do "igual e diferente" com uma criança do ensino fundamental I. Meu neto Cooper sacou um livro do tipo "Jogo dos Erros". Em páginas opostas havia desenhos cada vez mais complexos. À primeira vista, ambas as figuras pareciam idênticas! Todavia, ao olhar cuidadosamente percebia-se haver dez ou mais "coisas que são diferentes" entre as figuras. (Nota mental: crianças de oito anos conseguem ser bem rápidas!)

Essa prática de identificar objetos que são "iguais mas não são iguais" é uma habilidade que se aprende. As crianças se divertem aprendendo a como prestar atenção nos detalhes. Mas os jogos, assim como a vida, ficam cada vez mais complexos.

O debate público do momento sobre se muçulmanos e cristãos adoram ao "mesmo Deus" - causado pelos comentários públicos de uma professora de Wheaton usando um hijab - é o caso em questão. Cristãos, estudantes, pastores e professores estão sendo desafiados a irem além dos comentários típicos de Facebook, respostas emotivas (raiva ou simpatia) e teologização apressada.

Este é um "momento ensinável" para o Corpo de Cristo! Dada a variedade de encontros entre o Islã e o Ocidente (p.ex. a enxurrada de imigrantes muçulmanos; o salafismo e o Islã radical; as tensões entre sunitas e xiitas), os educadores e pastores tem oportunidades inesperadas, dadas por Deus, para ajudarem os crentes a aprenderem a "missiologia mão-na-massa" e relacionarem sua fé à sua vida real!

Enquanto pensamos sobre as implicações missiológicas da afirmação ou negação sobre se adoramos ao mesmo Deus, é importante explorarmos as questões pedagógicas que o assunto traz consigo: Como podemos, sendo estudiosos-práticos e líderes missionários, capitalizar a partir desse momento ensinável e usá-lo para o aprendizado, discipulado e formação missionária?

Antes (ou ao invés) de sairmos dizendo aos alunos e congregações o que pensar a respeito, como podemos ajudá-los a explorar como pensar a respeito das implicações missiológicas deste e de outros casos que surgem a partir de nossos encontros culturais e espirituais com os muçulmanos e com outros?

Podemos aprender muito sobre Deus a partir de nossos encontros com aqueles diferentes de nós. Tais experiências, inclusive os comportamentos controversos que os outros tenham, têm um impacto poderoso em nossas vidas e na forma como abordamos aos outros, e podem nos dizer que tipo de pessoas, líderes e testemunhas queremos ser em um mundo pluralista e multicultural.

Eu sugeriria que as igrejas e os educadores usem a questão do "mesmo Deus" e o incidente em Wheaton como um estudo de caso sobre missões, uma espécie de jogo de encontrar os erros, de forma a auxiliar os cristãos a aprenderem lições cada vez mais complexas sobre como nos engajarmos de maneira reflexiva e efetiva com os muçulmanos e outros. Em um estudo de caso, um problema da vida real é apresentado para uma discussão em grupo. O objetivo é ajudar os cristãos a pensarem de maneira bíblica, reflexiva, dialógica e em oração, em comunidade.

Há material mais que suficiente na controvérsia sobre o "mesmo Deus" em Wheaton para desenvolvermos um estudo de caso conciso, com cerca de duas a três páginas. As especificidades de um estudo de caso - incorporando comentários feitos pela professora que usou o hijab, a resposta da faculdade e outras, bem como detalhes da cobertura da mídia - podem ser ferramentas pedagógicas tão úteis quanto escritos e discursos mais abstratos.

Para os missiólogos, o assunto, o "texto" em discussão, não é uma simples postagem no Facebook, uma declaração online ou um tópico de teologia a ser defendido ou censurado isoladamente. Em missiologia, contexto é fundamental. Portanto, ajudar os crentes a explorarem o contexto social, cultural, religioso e geopolítico mais amplo nesta controvérsia é essencial, tanto para a compreensão e práxis evangelical quanto para o projeto missiológico. Esta é uma aplicação do "círculo hermenêutico", o processo de se compreender o "texto" todo tendo como referência suas partes individuais, e como as partes individuais ou um elemento se relaciona com o todo.

Re-formatarmos o incidente de Wheaton ou a questão sobre o "mesmo Deus" desta forma nos leva a explorar como este elemento específico se relaciona com os contextos mais amplos da teologia; crenças, práticas e instituições evangelicais contemporâneas; a função simbólica e o significado das declarações de doutrina; os privilégios e responsabilidades dos docentes; e as respostas evangelicais contemporâneas ao Islã e aos muçulmanos que vivem entre nós.

Poderia discutir-se de maneira frutífera os sentidos contestados que envolvem um elemento particular, como o hijab (véu muçulmano), e o conflito simbólico de civilizações e valores representado pelo comportamento da professora (sincero, mas inoportuno, assim mal aconselhado?) durante o universalmente sagrado mês cristão do Advento. Esta discussão destina-se não a aumentar o conflito, mas para nos auxiliar a entendê-lo como parte de uma série de questões mais amplas.

Portanto, o caso em si (se muçulmanos e cristãos adoram ao mesmo Deus) põe em relevo de maneira gritante a importância fundamental de auxiliarmos os estudantes, líderes, igrejas e instituições a aprenderem a pensar missiologicamente. Em um mundo globalizado, a "inteligência cultural" ou "QC" é um componente essencial do discipulado cristão (p.ex. veja os livros e recursos escritos por David Livermore). Ou seja, o processo de responder a pergunta feita é tão importante quanto as próprias respostas.

Finalmente, esta abordagem de "estudo de caso" sugere o valor potencial da "prática reflexiva" como abordagem pedagógica para questões missiológicas contemporâneas tais como esta. Definidas por Donald Schon, as práticas reflexivas envolvem "considerar detidamente as próprias experiências ao aplicar o conhecimento à prática, enquanto se é orientado por profissionais na disciplina" (Education the reflective practitioner: Toward a new design for teaching and learning the professions, San Francisco: Jossey-Bass, Inc., 1996).

As reflexões são, desta maneira relacionadas à "teoria" - o conjunto do conhecimento profissional, perspectivas teóricas, conceitos, estudos de caso e críticas na literatura a respeito de um tópico em um ou mais campos de estudo. O processo crítico e a "descrição cerrada" tem a intenção de equipar os envolvidos (alunos, profissionais em treinamento como professores, enfermeiras, outros) a se tornarem "praticantes reflexivos," e a desenvolverem a verdadeira "arte profissional" e "perícia" em qualquer área. O processo é projetado para trazer à luz uma série de questões pessoais, conceituais, afetivas (emocionais, intuitivas), relacionais e comportamentais - tão necessárias para a discussão de assuntos potencialmente explosivos.

Neste caso, as pessoas e estudantes que não tenham se envolvido no incidente em questão poderiam ser orientados, no entanto, a relacionar suas crenças e experiências a uma estrutura conceitual e campo de prática mais amplos. Os missiólogos auxiliam para que o Corpo de Cristo deseje e se prepare para o envolvimento na missio Dei. A "arte" que buscamos é a semelhança de Cristo, e a "perícia" para a participação na missio Dei é graça, conhecimentos e habilidades necessárias para amar, respeitar e testemunhar com clareza e ver comunidades de fé estabelecidas entre os povos muçulmanos.

A controvérsia se cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus é um desafio para que os missiólogos encontrem novas maneiras de contribuírem e configurarem a discussão evangelical mais ampla e a responder a essas questões. O tipo de auto-consciência e pensamento missionário exigidos para quem trabalha com outras culturas é o que nossa comunidade evangelical inteira precisa agora.

Em um mundo pluralista, os seguidores de Cristo precisam aprender as habilidades críticas do "igual e diferente". Como andar retamente em sociedades com valores invertidos; como relacionar-se respeitosamente com outros na mesa-redonda religiosa; como pensar biblicamente a respeito de Deus, da vida e do mundo ao nosso redor.

Contextualização mãos-na-massa - o jogo do "encontre os erros" da vida e testemunho cotidianos - exige mais que empatia, tolerância ou a identificação simplista com os muçulmanos ou outros. Mais que nunca, precisamos "transbordar de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de vivermos de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus" (Cl 1.9-10).

*Leonard N. (Len) Bartlotti é consultor intercultural e professor adjunto na Graduate Institute of Applied Linguistics (Dallas, Texas). Serviu por muitos anos na Ásia Central.




Traduzido por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )