quinta-feira, 3 de março de 2016

Cristãos e Muçulmanos Adoram ao Mesmo Deus? Implicações Missiológicas Ao Respondermos uma Pergunta Divisiva.

Cristãos e Muçulmanos Adoram ao Mesmo Deus?
Implicações Missiológicas Ao Respondermos uma Pergunta Divisiva.















David Greenlee

Quando Bob Priest interrompeu meu feriado de ano novo para me pedir para contribuir com sua discussão, minha memória levou-me à piada, contada pela primeira vez por Emo Phillips há 30 anosi, sobre dois caras que se encontraram em uma ponte. Não eram apenas cristãos, regozijaram-se, mas também compartilhavam suas origens na Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos. Porém, ao descobrirem que um deles era da Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos do Concílio de 1879 e o outro era da Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos do Concílio de 1912, o primeiro bradou "Morra, herege!" e empurrou o outro da ponte.

O humor se assemelha perigosamente à experiência. Nos últimos anos meu coração pesou com frequência enquanto via amigos "empurrados da ponte" por alguém que, por conta própria, considerava que "Concílio de 1912" seria a única resposta correta. Como um filho de missionário e filho de um professor de seminário, sei que empurrar os hereges da ponte não é nenhuma novidade no comportamento "cristão".

Cuidado: fazer missiologia pode ser perigoso. Não conheço a Larycia Hawkins, e conheço Wheaton de maneira muito superficial; seria presunçoso de minha parte tentar explicar ou apoiar qualquer um dos lados. Todavia, a primeira implicação missiológica que extraio é tenha cuidado; pode ser perigoso responder uma pergunta divisiva. E, o que quer que aconteça com os protagonistas, a divulgação via internet da situação ocorrida em Wheaton não beneficia nenhuma minoria cristã nas sociedades muçulmanas.

Questões mal formuladas e fontes de informação mal selecionadas levam a uma missiologia ruim "A Verdade" ouvida por um juri é filtrada através de questões perguntadas às testemunhas de maneira cuidadosamente construída. Pesquisas de satisfação do consumidor induzem-me a certas respostas (e se autorrespondem caso eu não esteja “completamente satisfeito" em cada ponto).

Viés de confirmação é a tendência que temos de procurar e interpretar as informações de maneira a confirmar nossas preconcepções. Ao invés de interagir com opiniões sólidas que sejam contrárias às nossas, criamos espantalhos; poucos de nós fortalecem os argumentos ao buscar com afinco provas de que podemos estar errados.

Um centro asiático respondendo a comentários feitos por membros de nosso grupo doméstico na Suíça, anos atrás, disse, "Claro que não troquei de deus quando passei a crer em Jesus Cristo. Por que alguém poderia pensar nisso?" A maioria - mas não todos - dos muçulmanos que eu conheço diriam mais ou menos o mesmo.

Um perigo que eu correria, portanto, seria o de colher provas nesta direção porque me sinto mais confortável ouvindo meus amigos e lendo artigos que compartilham essa opinião ao invés de ouvir, de mente aberta, àqueles que defendem outras posições. Mas, a reflexão missiológica se torna mal informada quando formulamos nossas perguntas de maneira a iluminar apenas parcialmente o objeto de estudo.

Língua e cultura afetam minhas perguntas e, portanto, minhas respostas; consigo ver por conta própria apenas parte do quadro. Um tradutor simultâneo de legendas para a televisão ficou confuso, disseram-me. O falante de língua inglesa afirmara, "Não cremos em Alá; cremos em Deus." Ao passar para o árabe, ela teria de escrever (traduzido de volta) "Não cremos em Deus; cremos em Deus." Meu exemplo um tanto quanto simplista serve para nos lembrar que nossas perguntas e nossa forma de pensar são moldados pela língua.

Richard Jameson descreve o impacto da cultura em questões sobre Deus, fé, vida e o mundo. Os árabes que ele conhece tendem a se concentrar em limites bem estabelecidos e nas diferenças; os indonésios concentram-se na harmonia. Muçulmanos das sociedades árabes convertidos a Jesus costumam perguntar algo como "Alá, como os muçulmanos conhecem, é o mesmo Deus que YHWH, conhecido pelos judeus e cristãos a partir de suas escrituras?" enquanto os crentes indonésios que ele menciona perguntam algo como "Há verdade o bastante em Alá, como os muçulmanos conhecem, para usar tal verdade como ponto de partida para levar os muçulmanos a um conhecimento completo do Deus da Bíblia?"ii

Amba as abordagens são válidas. Ambas são incompletas. Quer falemos a partir de uma estrutura teológica profundamente arraigada ou de uma visão de mundo culturalmente enraizada, preciso que outros me ajudem, não apenas a enxergar o quadro completo, mas até para que eu saiba para onde olhar.

Estou construindo pontes ou muros? É certo sempre responder a qualquer pergunta? Ter critério é (ainda) uma virtude, tanto mais em nossa era da internet. Questões válidas, mas perguntadas ou respondidas da forma errada e pelos motivos errados, podem ser usadas intencionalmente como critério para separar e dividir, cercas de arame farpado para nos manter sob controle e manter longe de nós aqueles que tememos. Assim como Tiago, podemos expressá-las de maneira a estarmos comprometidos com a verdade, como ele era, de forma a não "perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus" (At 15.19)? Ainda assim, pergunto-me, podemos chegar a responder a pergunta "cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" E quais muçulmanos? Quais cristãos? "Adoração" no sentido de ritual e tradição ou no sentido de viver como sacrifícios vivos? "O mesmo" em termos do fato ontológico de um Deus Todo Poderoso, Criador de todas as coisas ou "mesmo" em uma coerência suficiente nos detalhes da crença?

Se eu optar pela segunda abordagem sobre a semelhança, posso acabar pensando em qual seria o limite de erros que eu poderia ter na minha forma de crer para que eu ainda estivesse adorando a Deus, e não a um falso deus? Seria o mesmo ser tanto o pai amoroso que uma amiga diz saber que Deus é hoje, quanto o ogro furioso que ela imaginava que ele fosse quando era adolescente? Nós, evangelicais, adoramos ao mesmo Deus que os protestantes liberais, o "Jeová" das Testemunhas de Jeová ou o Jesus dos Pentecostais Unicistas?

Conhecer o que cremos é importante; mas Deus é definido por aquilo que ele é, não por aquilo no que creio sobre ele. Ao invés de nos concentrarmos na adoração ou na crença (por mais importante que sejam), uma pergunta mais frutífera para os missionários, se não para a missiologia, seria "Conhecemos o mesmo Deus?"

A paz importa? Diferentemente da situação vivida pela maioria dos cristãos na maioria dos lugares nos quais morei, até pouco tempo atrás nos EUA as questões referentes ao pluralismo eram muito mais um argumento teológico do que algo a ser aplicado no dia a dia. Questões há muito decididas em outros lugares tem, ultimamente, nos deixado perturbados.

Saber no que nós cremos, e no que creem os outros, é importante; fazer declarações unilaterais sobre o que os outros creem produzem poucos benefícios na construção da paz entre as comunidades. Ao considerarmos o medo crescente na sociedade americana, ao invés de falarmos sobre eles, poderíamos conversar com os muçulmanos e com outros com mais frequência, em uma espécie de conversa ao redor da mesa da cozinha (para adaptar um termo usado por Valdir Steuernagel em Iguaçu há quinze anos)? Se, pelo menos uma vez, deixando de lado velhos pontos de debate, encontrássemos uma forma de explorar com sensibilidade não apenas nossa crença em Deus, mas também aquilo que desejamos para nossos filhos, poderíamos contribuir para a construção da paz em um mundo cada vez mas amedrontado e fraturado.


David Greenlee (Ph. D. TEDS 1996) trabalha em Operation Mobilization (Mobilização Operação) desde 1977, e desde então passa mais tempo morando fora dos EUA. Editor de From the Straight Path to the Narrow Way (Do Caminho Reto ao Caminho Estreito - InterVarsity) e Longing for Community (Ansiando por Comunhão - William Carey) e autor de diversos artigos relacionados a muçulmanos achegando-se à fé em Jesus Cristo. As opiniões expressas são de responsabilidade do autor e não necessariamente expressam a opinião de OM.
i Emo Philips, “The Best Good Joke Ever—And It’s Mine!” (A Melhor Piada de Todos os Tempos - E É a Minha!) The Guardian(online), 28 de setembro de 2005. http://www.theguardian.com/stage/2005/sep/29/comedy.religion

ii Richard Jameson, “Respecting Context: A Comparison of Indonesia and the Middle East,” (Respeitando o Contexto: Uma Comparação entre a Indonésia e o Oriente Médio," IJFM29,4. http://www.ijfm.org/PDFs_IJFM/29_4_PDFs/IJFM_29_4-Jameson.pdf



Traduzido por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )

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