Cristãos e Muçulmanos
Adoram ao Mesmo Deus?
Implicações
Missiológicas Ao Respondermos uma Pergunta Divisiva.
David Greenlee
Quando Bob Priest
interrompeu meu feriado de ano novo para me pedir para contribuir com
sua discussão, minha memória levou-me à piada, contada pela
primeira vez por Emo Phillips há 30 anosi,
sobre dois caras que se encontraram em uma ponte. Não eram apenas
cristãos, regozijaram-se, mas também compartilhavam suas origens na
Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes
Lagos. Porém, ao descobrirem que um deles era da Convenção Batista
Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos do Concílio de
1879 e o outro era da Convenção Batista Conservadora do Norte da
Região dos Grandes Lagos do Concílio de 1912, o primeiro bradou
"Morra, herege!" e empurrou o outro da ponte.
O humor se assemelha perigosamente à experiência. Nos últimos anos
meu coração pesou com frequência enquanto via amigos "empurrados
da ponte" por alguém que, por conta própria, considerava que
"Concílio de 1912" seria a única resposta correta. Como
um filho de missionário e
filho de um professor de seminário, sei que empurrar os hereges da
ponte não é nenhuma novidade no comportamento "cristão".
Cuidado: fazer
missiologia pode ser perigoso. Não conheço a Larycia Hawkins, e
conheço Wheaton de maneira muito superficial; seria presunçoso de
minha parte tentar explicar ou apoiar qualquer um dos lados. Todavia,
a primeira implicação missiológica que extraio é tenha
cuidado; pode ser perigoso responder uma pergunta divisiva. E, o
que quer que aconteça com os protagonistas, a divulgação via
internet da situação ocorrida em Wheaton não beneficia nenhuma
minoria cristã nas sociedades muçulmanas.
Questões mal
formuladas e fontes de informação mal selecionadas levam a uma
missiologia ruim "A Verdade" ouvida por um juri é
filtrada através de questões perguntadas às testemunhas de maneira
cuidadosamente construída. Pesquisas de satisfação do consumidor
induzem-me a certas respostas (e se autorrespondem
caso eu não esteja “completamente satisfeito" em cada ponto).
Viés de confirmação
é a tendência que temos de procurar e interpretar as informações
de maneira a confirmar nossas preconcepções. Ao invés de interagir
com opiniões sólidas que sejam contrárias às nossas, criamos
espantalhos; poucos de nós fortalecem os argumentos ao buscar com
afinco provas de que podemos estar errados.
Um centro asiático
respondendo a comentários feitos por membros de nosso grupo
doméstico na Suíça, anos atrás, disse, "Claro que não
troquei de deus quando passei a crer em Jesus Cristo. Por que alguém
poderia pensar nisso?" A maioria - mas não todos - dos
muçulmanos que eu conheço diriam mais ou menos o mesmo.
Um perigo que eu
correria, portanto, seria o de colher provas nesta direção porque
me sinto mais confortável ouvindo meus amigos e lendo artigos que
compartilham essa opinião ao invés de ouvir, de mente aberta,
àqueles que defendem outras posições. Mas, a reflexão
missiológica se torna mal informada quando formulamos nossas
perguntas de maneira a iluminar apenas parcialmente o objeto de
estudo.
Língua e cultura
afetam minhas perguntas e, portanto, minhas respostas; consigo ver
por conta própria apenas parte do quadro. Um tradutor simultâneo
de legendas para a televisão ficou confuso, disseram-me. O falante
de língua inglesa afirmara, "Não cremos em Alá; cremos em
Deus." Ao passar para o árabe, ela teria de escrever (traduzido
de volta) "Não cremos em Deus; cremos em Deus." Meu
exemplo um tanto quanto simplista serve para nos lembrar que
nossas perguntas e nossa forma de pensar são moldados pela língua.
Richard Jameson
descreve o impacto da cultura em questões sobre Deus, fé, vida e o
mundo. Os árabes que ele conhece tendem a se concentrar em limites
bem estabelecidos e nas diferenças; os indonésios concentram-se na
harmonia. Muçulmanos das sociedades árabes convertidos a Jesus
costumam perguntar algo
como "Alá, como os muçulmanos conhecem, é o mesmo Deus que
YHWH, conhecido pelos judeus e cristãos a partir de suas
escrituras?" enquanto os crentes indonésios que ele menciona
perguntam algo como "Há verdade o bastante em Alá, como os
muçulmanos conhecem, para usar tal verdade como ponto de partida
para levar os muçulmanos a um conhecimento completo do Deus da
Bíblia?"ii
Amba as abordagens são
válidas. Ambas são incompletas. Quer falemos a partir de uma
estrutura teológica profundamente arraigada ou de uma visão de
mundo culturalmente enraizada, preciso que outros me ajudem, não
apenas a enxergar o quadro completo, mas até para que eu saiba para
onde olhar.
Estou construindo
pontes ou muros? É certo sempre responder a qualquer pergunta?
Ter critério é (ainda) uma virtude, tanto mais em nossa era da
internet. Questões válidas, mas perguntadas ou respondidas da forma
errada e pelos motivos errados, podem ser usadas intencionalmente
como critério para separar e dividir, cercas de arame farpado para
nos manter sob controle e manter longe de nós aqueles que tememos.
Assim como Tiago, podemos expressá-las de maneira a estarmos
comprometidos com a verdade, como ele era, de forma a não "perturbar
aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus" (At 15.19)?
Ainda assim, pergunto-me, podemos chegar a responder a pergunta
"cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" E quais
muçulmanos? Quais cristãos? "Adoração" no sentido de
ritual e tradição ou no sentido de viver como sacrifícios vivos?
"O mesmo" em termos do fato ontológico de um Deus Todo
Poderoso, Criador de todas as coisas ou "mesmo" em uma
coerência suficiente nos detalhes da crença?
Se eu optar pela
segunda abordagem sobre a semelhança, posso acabar pensando em qual
seria o limite de erros que eu poderia ter na minha forma de crer
para que eu ainda estivesse adorando a Deus, e não a um falso deus?
Seria o mesmo ser tanto o pai amoroso que uma amiga diz saber que
Deus é hoje, quanto o ogro furioso que ela imaginava que ele fosse
quando era adolescente? Nós, evangelicais, adoramos ao mesmo Deus
que os protestantes liberais, o "Jeová" das Testemunhas de
Jeová ou o Jesus dos Pentecostais Unicistas?
Conhecer o que cremos é
importante; mas Deus é definido por aquilo que ele é, não por
aquilo no que creio sobre ele. Ao invés de nos concentrarmos na
adoração ou na crença (por mais importante que sejam), uma
pergunta mais frutífera para os missionários, se não para a
missiologia, seria "Conhecemos o mesmo Deus?"
A paz importa?
Diferentemente da situação vivida pela maioria dos cristãos na
maioria dos lugares nos quais morei, até pouco tempo atrás nos EUA
as questões referentes ao pluralismo eram muito mais um argumento
teológico do que algo a ser aplicado no dia a dia. Questões há
muito decididas em outros lugares tem, ultimamente, nos deixado
perturbados.
Saber no que nós
cremos, e no que creem os outros, é importante; fazer declarações
unilaterais sobre o que os outros creem
produzem
poucos benefícios na construção da paz entre as
comunidades. Ao considerarmos o medo crescente na sociedade
americana, ao invés de falarmos sobre eles, poderíamos conversar
com os muçulmanos e com outros com mais frequência, em uma espécie
de conversa ao redor da mesa da cozinha (para adaptar um termo usado
por Valdir Steuernagel em Iguaçu há quinze anos)? Se, pelo menos
uma vez, deixando de lado velhos pontos de debate, encontrássemos
uma forma de explorar com sensibilidade não apenas nossa crença em
Deus, mas também aquilo que desejamos para nossos filhos, poderíamos
contribuir para a construção da paz em
um mundo cada vez mas amedrontado e fraturado.
David Greenlee (Ph. D.
TEDS 1996) trabalha em Operation Mobilization (Mobilização
Operação) desde 1977, e desde então passa mais tempo morando fora
dos EUA. Editor de From the Straight Path to the Narrow Way (Do
Caminho Reto ao Caminho Estreito - InterVarsity) e Longing for
Community (Ansiando por Comunhão - William Carey) e autor de
diversos artigos relacionados a muçulmanos achegando-se à fé em
Jesus Cristo. As opiniões expressas são de responsabilidade do
autor e não necessariamente expressam a opinião de OM.
i
Emo Philips, “The Best Good Joke Ever—And It’s Mine!” (A
Melhor Piada de Todos os Tempos - E É a Minha!) The
Guardian(online), 28 de setembro de 2005.
http://www.theguardian.com/stage/2005/sep/29/comedy.religion
ii
Richard Jameson, “Respecting Context: A Comparison of Indonesia
and the Middle East,” (Respeitando o Contexto: Uma Comparação
entre a Indonésia e o Oriente Médio," IJFM29,4.
http://www.ijfm.org/PDFs_IJFM/29_4_PDFs/IJFM_29_4-Jameson.pdf
Fonte: Publicado originalmente em https://www.emsweb.org/images/occasional-bulletin/special-editions/OB_SpecialEdition_2016.pdf
Traduzido por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )
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