Por que Estou Deixando as Assembleias de Deus para unir-me à Igreja Metodista Unida (Parte 2 - Teologia)
18
de fevereiro de 2016 por Jeremiah
Gibbs
Eu
expliquei na parte 1 algumas das razões
ministeriais pelas quais estou me transferindo
para a Igreja Metodista Unida. Neste texto irei explicar algumas das
razões doutrinárias. Todavia, devo admitir que as razões
principais pelas quais estou me transferindo não tem nada a ver com
teologia ou ministério.
Minha
esposa e eu somos ministros ordenados por dois sistemas separados.
Como expliquei no texto anterior, a longa carreira ministerial que
temos diante de nós certamente será mais tranquila caso estejamos
sob um único método pelo qual nosso chamado seja administrado. Tal
fato, combinado com meu crescente envolvimento com a IMU nos últimos
anos, explica o porquê minha mudança se dá neste momento.
Dito
isto, sinto-me vocacionado como teólogo e esta compreensão é
fundamental para saber se meu trabalho se dá no ministério
pastoral, no ensino ou mesmo interagindo com as pessoas nas mídias
sociais. É quem eu sou. Não poderia entrar na IMU se não estivesse
satisfeito pelo fato de sua tradição teológica ser uma que possa e
deva ser adotada. Portanto, eis alguns dos motivos pelos quais
considero esta tradição digna de ser adotada.
Primeiramente,
os metodistas unidos adotam tanto uma ortodoxia
ampla quanto
um espírito
católico.
A Igreja Metodista
Unida é teologicamente comprometida com as doutrinas históricas da
ortodoxia através dos Artigos
de Religião, Confissão
de Fé, e os credos e
hinos do Hinário Metodista Unido.
Os compromissos centrais do cristianismo ortodoxo estão no coração
da doutrina metodista. Os Artigos de Religião exigem fidelidade à
suficiência das Escrituras, à Trindade, divindade de Cristo, sua
morte justificadora e ressureição corpórea e às noções
tradicionais sobre a igreja e os sacramentos. Mudar a doutrina dos
Artigos e Confissão envolveria um processo de emenda constitucional
extremamente difícil. Isto é como deve ser. A afirmação de que a
Igreja Metodista Unida é uma comunidade "apostólica"
vincula um comprometimento com a fé depositada desde a igreja
primitiva.
Todavia,
John Wesley disse, “Se teu coração é como o meu coração, dá-me
a tua mão.” No mesmo sermão, "O Espírito Católico,i"
Wesley sugere que dar sua mão a outro não significa uma espécie de
aceitação passiva, mas amor ativo e estimulador mútuo em direção
ao Evangelho. Wesley considerava que isto era possível mesmo que
nunca concordássemos em todas as questões doutrinárias. Em suas
próprias palavras no mesmo sermão, "Guarda tua opinião; eu
guardarei a minha — e isto tão firmemente como nunca." Ao
mesmo tempo em que Wesley tinha uma teologia distintiva e esperava o
mesmo dos pregadores metodistas, ele encorajava os metodistas a
acolherem a todas as pessoas de boa vontade. Discordância não
significava falta de companheirismo. Wesley parecia sugerir que as
diferenças entre dois cristãos podem chegar a ponto de contribuir
para a santificação de ambos. A diferença é positiva para o
crescimento espiritual. E tudo isso é possível pelo laço do amor
mútuo. Charles Wesley celebrava tal espírito em uma canção:
Redimido por Vossa graça soberana,
Experimento minha liberdade gloriosa,
Com braços abertos ao mundo abraço,
Mas uno-me àqueles que se unem a Ti ("Amor Católico")
Em
segundo lugar, os metodistas unidos adotam ao mesmo tempo uma
teologia
e espiritualidade sacramental e
uma teologia
e espiritualidade evangelical.
Assim como os metodistas unidos unem forças opostas de forma a serem
inclusivamente católicos e tradicionalmente ortodoxos, os metodistas
unidos também mantém outros comprometimentos em tensão. Por mais
de 400 anos os cristãos tem lutado para resolverem a questão sobre
a eficácia dos sacramentos e a obra redentora e vivificante de uma
conversão interior. As noções tradicionais sobre os sacramentos
cristãos sugerem que o batismo e a Eucaristia sejam um sinal externo
e visível de uma graça interna e espiritual. Quando tais atos são
executados, Deus age sobre a vida dos participantes. No caso do
batismo, isto é considerado tanto como a purificação do pecado
original como a iniciação de um novo nascimento. Em seu sermão "Os
Meios da Graçaii",
Wesley perguntou retoricamente aos críticos da Eucaristia,
O comer aquele pão e o beber aquele cálice não constituem meios exteriores, visíveis, através dos quis Deus comunica a nossas almas toda a graça espiritual, a justiça, a paz e o gozo no Espírito Santo, que foram adquiridos pelo corpo de Cristo, uma vez quebrado, e pelo seu sangue, uma vez derramado por nós?
Para
os metodistas e outros cristãos sacramentais, esses atos físicos de
adoração são os meios pelos quais Deus age na vida de um crente.
Mas
teólogos evangelicais no tempo de Wesley e em nosso tempo criticam
tal noção ao insistirem que apenas a conversão interior importa
para a salvação. Esta conversão evangélica, uma experiência
descrita por Wesley como tendo seu "coração estranhamente
aquecido" em Aldersgate, era central para a compreensão que
Wesley tinha sobre o novo nascimento. O movimento metodista primitivo
era, em sua essência, um movimento evangelical no seio de uma igreja
sacramental, anglicana. Embora os metodistas primitivos fossem menos
propensos a discutirem as especificidades da teologia sacramental que
seus contemporâneos, eles, no entanto, mantinham sua
sacramentalidade enquanto se moviam rumo a noções evangélicas de
conversão. O hino de Charles Wesley, "A Grande Ceia",
exibia uma alta noção de sacramentalidade.
Venha, e participe do banquete do evangelho,
Seja salvo do pecado, em Jesus descanse:
Oh prove da bondade de nosso Deus,
E coma Seu corpo, e beba seu sangue.
A
verdade da experiência da conversão evangélica em minha vida e na
vida daqueles a quem tenho ministrado é inegável. Quando fiz uma
curta oração aceitando a Jesus aos 17 anos de idade, Deus fez algo
miraculoso em mim. Deus já tinha salvo minha alma quando eu fui
finalmente batizado oito meses depois. Tampouco posso negar o
ministério poderoso do Espírito enquanto eu e outros nos submetemos
aos meios da graça, principalmente os sacramentos. John Wesley
adverte aos metodistas a não "tomarem os meios como fim e a
colocar a religião, menos na posse de um coração renovado segundo
a imagem de Deus do que na prática daqueles atos exteriores."
(Sermão "Os Meios da Graça") Mas a crítica de toda
sacramentalidade porque alguns "abusam" dos sacramentos ao
participarem deles sem um coração reto baseia-se em uma falsa
dicotomia. Wesley e o povo chamado metodista são aqueles que podem
sacudir essa falsa dicotomia ao insistir em uma participação fiel
nos sacramentos com um coração totalmente voltado a Deus.
Em
terceiro lugar, os metodistas unidos adotam tanto a
santidade social
quanto a santidade
pessoal.
Enquanto a dicotomia entre a espiritualidade sacramental e a
espiritualidade evangélica surgiu principalmente durante a crítica
reformada à Igreja Católica Romana, outra falsa dicotomia surgiu
durante as controvérsias fundamentalistas-modernistas do final do
século 19
e início do século 20:
a tensão entre santidade social e santidade pessoal. Liberais
sociais e teológicos deste período eram fortes defensores dos
argumentos teológicos por justiça social, tais como os defendidos
por Walter Rauschenbusch e outros. Ao mesmo tempo, os movimentos de
santidade deste período propagavam a devoção individual a Deus em
oração e ao exorcizar os demônios do álcool. Alguns wesleyanos, o
Exército de Salvação sendo um bom exemplo, eram capazes de adotar
a santidade pessoal e a santidade social como prioridades duplas, a
despeito da disputa cultural em curso. Mas muitos, durante este
período, começaram a defender um ou outro como se fossem
separáveis.
Wesley
precedia tal dicotomia. Quando ele chamava o povo metodista para
viver a santidade radical, ele imaginava que educar os presidiários
e pregar aos pobres era tão parte integrante dessa visão quanto o
jejum constante, a oração e a adoração. A ética wesleyana era
resumida nas "Regras Gerais" que Wesley propôs para as
sociedades e são ainda observadas pelos metodistas de hoje.
Ele
os instava a "não praticar o mal," o que se refere a
questões de santidade pessoal tais como a profanação do dia do
Senhor ou a embriaguez. "Não praticar o mal" também
conclamava os metodistas a práticas justas e corretas de negócios e
não desperdiçar o dinheiro com joias ou frivolidades.
Seu
chamado para "praticar o bem" significava alimentar o
faminto, vestir o nu, enquanto ao mesmo tempo deve-se amar ao seu
companheiro cristão como seu próximo (Regras Gerais, Book of
Discipline parágrafo 104). Não deveria surpreender que um homem que
encorajava a leitura diária da Bíblia insistia no fato de ser uma
injustiça que um homem negro não pudesse testificar contra um homem
branco sob a lei britânica ("Carta a William Wilberforce").
Ele compreendia que a Bíblia direcionava a uma sabedoria prática,
que zombava dessa política racista. Wesley sabia que a imagem de
Deus se encontrava da mesma forma em todas as pessoas e isto
conclamava a todas as pessoas para o amor. Os hinos de Charle Wesley
também abordavam temas dae santidade pessoal e social. Canções
como "Jesus, Thine All-Victorious Love" (Jesus, Seu Amor
Todo Vencedor) convidam Deus a "queimar toda a escória do
desejo vil." Tal noção de que a vontade pecaminosa de uma
pessoa deve ser crucificada de forma que ele ou ela possam ser
aperfeiçoados em amor é central na doutrina da santificação.
Charles Wesley também convidava ao lamento pelos males sociais:
Nossa terra lamentamos por ver
inundadas pela maldade,
com violência, erros e crueldade,
em um largo campo de sangue,
onde homens quais demônios rasgam uns aos outros
em toda fúria infernal de guerra. (Nossa terra lamentamos por ver)
A
espiritualidade wesleyana revela que a dicotomia entre santidade
pessoal e social é claramente falsa.
Embora
eu às vezes me debata a natureza um tanto eclética da teologia de
Wesley, sua habilidade de se basear em fontes múltiplas é o motivo
pelo qual ele é capaz de superar essas falsas dicotomias.
Conforme expliquei, o compromisso com a ortodoxia não precisa
ocasionar divisões no Corpo de Cristo. Uma percepção forte sobre a
necessidade da conversão evangélica não exige que os sacramentos
tenham de ter um papel menor. Um comprometimento com uma sociedade
mais justa não exclui a santidade de coração e vida.
Embora eu não tenha elaborado esses itens acima, o pensmento
wesleyano nos permite superar outras falsas dicotomias. O
conhecimento e a piedade vital não são virtudes opostas. Uma
afirmação sobre a depravação da alma humana pode reconhecer o
poder da graça preveniente. Um foco no sacramento da Eucaristia não
precisa diminuir o poder da pregação. A autoridade do episcopado e
do clero não devem sufocar nossa esperança e esforço por um
laicato empoderado e apaixonado.
A
teologia wesleyana requer que as pessoas vivam em tensão.
O desconforto de viver esta tensão molda as pessoas metodistas a
serem como Cristo.
Embora
eu não me oponha ao núcleo dos conceitos teológicos da doutrina da
AD, as Assembleias de Deus e muitas outras tradições cristãs
costumam tomar medidas de maneira muito precipitada com o intuito de
resolverem essas questões que costumam aparecer na teologia. Apenas
como um exemplo, as Assembleias de Deus tem um conjunto modesto com
apenas 16 "verdades fundamentais" que formam o núcleo de
seu compromisso doutrinário. Mas quatro dessas afirmações evocam
um enredo elaborado e preciso do "final dos tempos", com
cada um desses quatro componentes sendo debatidos pelos teólogos
quanto às suas interpretações autorizadas. Embora não me oponha
às implicações dessas afirmações, a escatologia é uma questão
teológica complexa, sendo melhor deixá-la para afirmações mais
amplas.
Por
outro lado, a Confissão de Fé da Igreja Metodista Unida diz apenas
que "cremos que todas (as pessoas) estão sob o justo julgamento
de Jesus Cristo, tanto agora quanto no dia final. Cremos na
ressurreição dos mortos; os justos para a vida eterna e os injustos
para a condenação sem fim." Nada mais. Poucos detalhes são
dados. Os membros e os ministros tem espaço para lerem as Escrituras
diligentemente e proclamarem uma visão que seja compatível com essa
doutrina mínima. Em um esforço para trazer esclarecimentos às
comunidades, muitos tem tomado o caminho de simplificar ideias
complexas. A Igreja Metodista Unida dá o espaço para abraçar a
complexidade e o mistério de uma teologia integralmente bíblica.
Espero servir neste ambiente.
Tradução:
Fabio Martelozzo (fabiomartelozzo@gmail.com)
ihttp://www.metodista.org.br/content/interfaces/cms/userfiles/files/documentos-oficiais/SERMAO_39_O_ESPIRITO_CATOLICO.pdf
iihttp://www.metodista.org.br/content/interfaces/cms/userfiles/files/documentos-oficiais/SERMAO_16_OS_MEIOS_DE_GRACA.pdf
Parte 1: http://deusnoplural.blogspot.com.br/2016/03/por-que-estou-deixando-as-assembleias.html
Parte 1: http://deusnoplural.blogspot.com.br/2016/03/por-que-estou-deixando-as-assembleias.html
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