segunda-feira, 9 de maio de 2016

Por que Estou Deixando as Assembleias de Deus para unir-me à Igreja Metodista Unida (Parte 2 - Teologia)

Por que Estou Deixando as Assembleias de Deus para unir-me à Igreja Metodista Unida (Parte 2 - Teologia)



18 de fevereiro de 2016 por Jeremiah Gibbs
Eu expliquei na parte 1 algumas das razões ministeriais pelas quais estou me transferindo para a Igreja Metodista Unida. Neste texto irei explicar algumas das razões doutrinárias. Todavia, devo admitir que as razões principais pelas quais estou me transferindo não tem nada a ver com teologia ou ministério.
Minha esposa e eu somos ministros ordenados por dois sistemas separados. Como expliquei no texto anterior, a longa carreira ministerial que temos diante de nós certamente será mais tranquila caso estejamos sob um único método pelo qual nosso chamado seja administrado. Tal fato, combinado com meu crescente envolvimento com a IMU nos últimos anos, explica o porquê minha mudança se dá neste momento.
Dito isto, sinto-me vocacionado como teólogo e esta compreensão é fundamental para saber se meu trabalho se dá no ministério pastoral, no ensino ou mesmo interagindo com as pessoas nas mídias sociais. É quem eu sou. Não poderia entrar na IMU se não estivesse satisfeito pelo fato de sua tradição teológica ser uma que possa e deva ser adotada. Portanto, eis alguns dos motivos pelos quais considero esta tradição digna de ser adotada.
Primeiramente, os metodistas unidos adotam tanto uma ortodoxia ampla quanto um espírito católico. A Igreja Metodista Unida é teologicamente comprometida com as doutrinas históricas da ortodoxia através dos Artigos de Religião, Confissão de Fé, e os credos e hinos do Hinário Metodista Unido. Os compromissos centrais do cristianismo ortodoxo estão no coração da doutrina metodista. Os Artigos de Religião exigem fidelidade à suficiência das Escrituras, à Trindade, divindade de Cristo, sua morte justificadora e ressureição corpórea e às noções tradicionais sobre a igreja e os sacramentos. Mudar a doutrina dos Artigos e Confissão envolveria um processo de emenda constitucional extremamente difícil. Isto é como deve ser. A afirmação de que a Igreja Metodista Unida é uma comunidade "apostólica" vincula um comprometimento com a fé depositada desde a igreja primitiva.
Todavia, John Wesley disse, “Se teu coração é como o meu coração, dá-me a tua mão.” No mesmo sermão, "O Espírito Católico,i" Wesley sugere que dar sua mão a outro não significa uma espécie de aceitação passiva, mas amor ativo e estimulador mútuo em direção ao Evangelho. Wesley considerava que isto era possível mesmo que nunca concordássemos em todas as questões doutrinárias. Em suas próprias palavras no mesmo sermão, "Guarda tua opinião; eu guardarei a minha — e isto tão firmemente como nunca." Ao mesmo tempo em que Wesley tinha uma teologia distintiva e esperava o mesmo dos pregadores metodistas, ele encorajava os metodistas a acolherem a todas as pessoas de boa vontade. Discordância não significava falta de companheirismo. Wesley parecia sugerir que as diferenças entre dois cristãos podem chegar a ponto de contribuir para a santificação de ambos. A diferença é positiva para o crescimento espiritual. E tudo isso é possível pelo laço do amor mútuo. Charles Wesley celebrava tal espírito em uma canção:
Redimido por Vossa graça soberana,
Experimento minha liberdade gloriosa,
Com braços abertos ao mundo abraço,
Mas uno-me àqueles que se unem a Ti ("Amor Católico")
Em segundo lugar, os metodistas unidos adotam ao mesmo tempo uma teologia e espiritualidade sacramental e uma teologia e espiritualidade evangelical. Assim como os metodistas unidos unem forças opostas de forma a serem inclusivamente católicos e tradicionalmente ortodoxos, os metodistas unidos também mantém outros comprometimentos em tensão. Por mais de 400 anos os cristãos tem lutado para resolverem a questão sobre a eficácia dos sacramentos e a obra redentora e vivificante de uma conversão interior. As noções tradicionais sobre os sacramentos cristãos sugerem que o batismo e a Eucaristia sejam um sinal externo e visível de uma graça interna e espiritual. Quando tais atos são executados, Deus age sobre a vida dos participantes. No caso do batismo, isto é considerado tanto como a purificação do pecado original como a iniciação de um novo nascimento. Em seu sermão "Os Meios da Graçaii", Wesley perguntou retoricamente aos críticos da Eucaristia,
O comer aquele pão e o beber aquele cálice não constituem meios exteriores, visíveis, através dos quis Deus comunica a nossas almas toda a graça espiritual, a justiça, a paz e o gozo no Espírito Santo, que foram adquiridos pelo corpo de Cristo, uma vez quebrado, e pelo seu sangue, uma vez derramado por nós?
Para os metodistas e outros cristãos sacramentais, esses atos físicos de adoração são os meios pelos quais Deus age na vida de um crente.
Mas teólogos evangelicais no tempo de Wesley e em nosso tempo criticam tal noção ao insistirem que apenas a conversão interior importa para a salvação. Esta conversão evangélica, uma experiência descrita por Wesley como tendo seu "coração estranhamente aquecido" em Aldersgate, era central para a compreensão que Wesley tinha sobre o novo nascimento. O movimento metodista primitivo era, em sua essência, um movimento evangelical no seio de uma igreja sacramental, anglicana. Embora os metodistas primitivos fossem menos propensos a discutirem as especificidades da teologia sacramental que seus contemporâneos, eles, no entanto, mantinham sua sacramentalidade enquanto se moviam rumo a noções evangélicas de conversão. O hino de Charles Wesley, "A Grande Ceia", exibia uma alta noção de sacramentalidade.
Venha, e participe do banquete do evangelho,
Seja salvo do pecado, em Jesus descanse:
Oh prove da bondade de nosso Deus,
E coma Seu corpo, e beba seu sangue.
A verdade da experiência da conversão evangélica em minha vida e na vida daqueles a quem tenho ministrado é inegável. Quando fiz uma curta oração aceitando a Jesus aos 17 anos de idade, Deus fez algo miraculoso em mim. Deus já tinha salvo minha alma quando eu fui finalmente batizado oito meses depois. Tampouco posso negar o ministério poderoso do Espírito enquanto eu e outros nos submetemos aos meios da graça, principalmente os sacramentos. John Wesley adverte aos metodistas a não "tomarem os meios como fim e a colocar a religião, menos na posse de um coração renovado segundo a imagem de Deus do que na prática daqueles atos exteriores." (Sermão "Os Meios da Graça") Mas a crítica de toda sacramentalidade porque alguns "abusam" dos sacramentos ao participarem deles sem um coração reto baseia-se em uma falsa dicotomia. Wesley e o povo chamado metodista são aqueles que podem sacudir essa falsa dicotomia ao insistir em uma participação fiel nos sacramentos com um coração totalmente voltado a Deus.
Em terceiro lugar, os metodistas unidos adotam tanto a santidade social quanto a santidade pessoal. Enquanto a dicotomia entre a espiritualidade sacramental e a espiritualidade evangélica surgiu principalmente durante a crítica reformada à Igreja Católica Romana, outra falsa dicotomia surgiu durante as controvérsias fundamentalistas-modernistas do final do século 19 e início do século 20: a tensão entre santidade social e santidade pessoal. Liberais sociais e teológicos deste período eram fortes defensores dos argumentos teológicos por justiça social, tais como os defendidos por Walter Rauschenbusch e outros. Ao mesmo tempo, os movimentos de santidade deste período propagavam a devoção individual a Deus em oração e ao exorcizar os demônios do álcool. Alguns wesleyanos, o Exército de Salvação sendo um bom exemplo, eram capazes de adotar a santidade pessoal e a santidade social como prioridades duplas, a despeito da disputa cultural em curso. Mas muitos, durante este período, começaram a defender um ou outro como se fossem separáveis.
Wesley precedia tal dicotomia. Quando ele chamava o povo metodista para viver a santidade radical, ele imaginava que educar os presidiários e pregar aos pobres era tão parte integrante dessa visão quanto o jejum constante, a oração e a adoração. A ética wesleyana era resumida nas "Regras Gerais" que Wesley propôs para as sociedades e são ainda observadas pelos metodistas de hoje.
Ele os instava a "não praticar o mal," o que se refere a questões de santidade pessoal tais como a profanação do dia do Senhor ou a embriaguez. "Não praticar o mal" também conclamava os metodistas a práticas justas e corretas de negócios e não desperdiçar o dinheiro com joias ou frivolidades.
Seu chamado para "praticar o bem" significava alimentar o faminto, vestir o nu, enquanto ao mesmo tempo deve-se amar ao seu companheiro cristão como seu próximo (Regras Gerais, Book of Discipline parágrafo 104). Não deveria surpreender que um homem que encorajava a leitura diária da Bíblia insistia no fato de ser uma injustiça que um homem negro não pudesse testificar contra um homem branco sob a lei britânica ("Carta a William Wilberforce"). Ele compreendia que a Bíblia direcionava a uma sabedoria prática, que zombava dessa política racista. Wesley sabia que a imagem de Deus se encontrava da mesma forma em todas as pessoas e isto conclamava a todas as pessoas para o amor. Os hinos de Charle Wesley também abordavam temas dae santidade pessoal e social. Canções como "Jesus, Thine All-Victorious Love" (Jesus, Seu Amor Todo Vencedor) convidam Deus a "queimar toda a escória do desejo vil." Tal noção de que a vontade pecaminosa de uma pessoa deve ser crucificada de forma que ele ou ela possam ser aperfeiçoados em amor é central na doutrina da santificação. Charles Wesley também convidava ao lamento pelos males sociais:
Nossa terra lamentamos por ver
inundadas pela maldade,
com violência, erros e crueldade,
em um largo campo de sangue,
onde homens quais demônios rasgam uns aos outros
em toda fúria infernal de guerra. (Nossa terra lamentamos por ver)
A espiritualidade wesleyana revela que a dicotomia entre santidade pessoal e social é claramente falsa.
Embora eu às vezes me debata a natureza um tanto eclética da teologia de Wesley, sua habilidade de se basear em fontes múltiplas é o motivo pelo qual ele é capaz de superar essas falsas dicotomias. Conforme expliquei, o compromisso com a ortodoxia não precisa ocasionar divisões no Corpo de Cristo. Uma percepção forte sobre a necessidade da conversão evangélica não exige que os sacramentos tenham de ter um papel menor. Um comprometimento com uma sociedade mais justa não exclui a santidade de coração e vida. Embora eu não tenha elaborado esses itens acima, o pensmento wesleyano nos permite superar outras falsas dicotomias. O conhecimento e a piedade vital não são virtudes opostas. Uma afirmação sobre a depravação da alma humana pode reconhecer o poder da graça preveniente. Um foco no sacramento da Eucaristia não precisa diminuir o poder da pregação. A autoridade do episcopado e do clero não devem sufocar nossa esperança e esforço por um laicato empoderado e apaixonado.
A teologia wesleyana requer que as pessoas vivam em tensão. O desconforto de viver esta tensão molda as pessoas metodistas a serem como Cristo.
Embora eu não me oponha ao núcleo dos conceitos teológicos da doutrina da AD, as Assembleias de Deus e muitas outras tradições cristãs costumam tomar medidas de maneira muito precipitada com o intuito de resolverem essas questões que costumam aparecer na teologia. Apenas como um exemplo, as Assembleias de Deus tem um conjunto modesto com apenas 16 "verdades fundamentais" que formam o núcleo de seu compromisso doutrinário. Mas quatro dessas afirmações evocam um enredo elaborado e preciso do "final dos tempos", com cada um desses quatro componentes sendo debatidos pelos teólogos quanto às suas interpretações autorizadas. Embora não me oponha às implicações dessas afirmações, a escatologia é uma questão teológica complexa, sendo melhor deixá-la para afirmações mais amplas.
Por outro lado, a Confissão de Fé da Igreja Metodista Unida diz apenas que "cremos que todas (as pessoas) estão sob o justo julgamento de Jesus Cristo, tanto agora quanto no dia final. Cremos na ressurreição dos mortos; os justos para a vida eterna e os injustos para a condenação sem fim." Nada mais. Poucos detalhes são dados. Os membros e os ministros tem espaço para lerem as Escrituras diligentemente e proclamarem uma visão que seja compatível com essa doutrina mínima. Em um esforço para trazer esclarecimentos às comunidades, muitos tem tomado o caminho de simplificar ideias complexas. A Igreja Metodista Unida dá o espaço para abraçar a complexidade e o mistério de uma teologia integralmente bíblica. Espero servir neste ambiente.

Tradução: Fabio Martelozzo (fabiomartelozzo@gmail.com)
ihttp://www.metodista.org.br/content/interfaces/cms/userfiles/files/documentos-oficiais/SERMAO_39_O_ESPIRITO_CATOLICO.pdf

iihttp://www.metodista.org.br/content/interfaces/cms/userfiles/files/documentos-oficiais/SERMAO_16_OS_MEIOS_DE_GRACA.pdf

Parte 1: http://deusnoplural.blogspot.com.br/2016/03/por-que-estou-deixando-as-assembleias.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário