"Jogo
dos Sete Erros": Como Ajudar os Cristãos a Pensar sobre "Alá" e Assuntos Contemporâneos a Partir de Perspectivas Missiológicas.
Leonard
N. (Len) Bartlotti*
Durante
as férias, tive o prazer de jogar o jogo do "igual e diferente"
com uma criança do ensino fundamental I. Meu neto Cooper sacou um
livro do tipo "Jogo dos Erros". Em páginas opostas havia
desenhos cada vez mais complexos. À primeira vista, ambas as figuras
pareciam idênticas! Todavia, ao olhar cuidadosamente percebia-se
haver dez ou mais "coisas que são diferentes" entre as
figuras. (Nota mental: crianças de oito anos conseguem ser bem
rápidas!)
Essa
prática de identificar objetos que são "iguais mas não são
iguais" é uma habilidade que se aprende. As crianças se
divertem aprendendo a como prestar atenção nos detalhes. Mas os
jogos, assim como a vida, ficam cada vez mais complexos.
O
debate público do momento sobre se muçulmanos e cristãos adoram ao
"mesmo Deus" - causado pelos comentários públicos de uma
professora de Wheaton usando um hijab - é o caso em questão.
Cristãos, estudantes, pastores e professores estão sendo desafiados
a irem além dos comentários típicos de Facebook, respostas
emotivas (raiva ou simpatia) e teologização apressada.
Este
é um "momento ensinável" para o Corpo de Cristo! Dada a
variedade de encontros entre o Islã e o Ocidente (p.ex. a enxurrada
de imigrantes muçulmanos; o salafismo e o Islã radical; as tensões
entre sunitas e xiitas), os educadores e pastores tem oportunidades
inesperadas, dadas por Deus, para ajudarem os crentes a aprenderem a
"missiologia mão-na-massa" e relacionarem sua fé à sua
vida real!
Enquanto
pensamos sobre as implicações missiológicas da afirmação ou
negação sobre se adoramos ao mesmo Deus, é importante explorarmos
as questões pedagógicas que o assunto traz consigo: Como podemos,
sendo estudiosos-práticos e líderes missionários, capitalizar a
partir desse momento ensinável e usá-lo para o aprendizado,
discipulado e formação missionária?
Antes
(ou ao invés) de sairmos dizendo aos alunos e congregações o que
pensar a respeito, como podemos ajudá-los a explorar como pensar a
respeito das implicações missiológicas deste e de outros casos que
surgem a partir de nossos encontros culturais e espirituais com os
muçulmanos e com outros?
Podemos
aprender muito sobre Deus a partir de nossos encontros com aqueles
diferentes de nós. Tais experiências, inclusive os comportamentos
controversos que os outros tenham, têm um impacto poderoso em nossas
vidas e na forma como abordamos aos outros, e podem nos dizer que
tipo de pessoas, líderes e testemunhas queremos ser em um mundo
pluralista e multicultural.
Eu
sugeriria que as igrejas e os educadores usem a questão do "mesmo
Deus" e o incidente em Wheaton como um estudo de caso sobre
missões, uma espécie de jogo de encontrar os erros, de forma a
auxiliar os cristãos a aprenderem lições cada vez mais complexas
sobre como nos engajarmos de maneira reflexiva e efetiva com os
muçulmanos e outros. Em um estudo de caso, um problema da vida real
é apresentado para uma discussão em grupo. O objetivo é ajudar os
cristãos a pensarem de maneira bíblica, reflexiva, dialógica e em
oração, em comunidade.
Há
material mais que suficiente na controvérsia sobre o "mesmo
Deus" em Wheaton para desenvolvermos um estudo de caso conciso,
com cerca de duas a três páginas. As especificidades de um estudo
de caso - incorporando comentários feitos pela professora que usou o
hijab, a resposta da faculdade e outras, bem como detalhes da
cobertura da mídia - podem ser ferramentas pedagógicas tão úteis
quanto escritos e discursos mais abstratos.
Para os missiólogos, o assunto, o "texto" em discussão,
não é uma simples postagem no Facebook, uma declaração online ou
um tópico de teologia a ser defendido ou censurado isoladamente. Em
missiologia, contexto é fundamental. Portanto, ajudar os crentes a
explorarem o contexto social, cultural, religioso e geopolítico mais
amplo nesta controvérsia é essencial, tanto para a compreensão e
práxis evangelical quanto para o projeto missiológico. Esta é uma
aplicação do "círculo hermenêutico", o processo de se
compreender o "texto" todo tendo como referência suas
partes individuais, e como as partes individuais ou um elemento se
relaciona com o todo.
Re-formatarmos
o incidente de Wheaton ou a questão sobre o "mesmo Deus"
desta forma nos leva a explorar como este elemento específico se
relaciona com os contextos mais amplos da teologia; crenças,
práticas e instituições evangelicais contemporâneas; a função
simbólica e o significado das declarações de doutrina; os
privilégios e responsabilidades dos docentes; e as respostas
evangelicais contemporâneas ao Islã e aos muçulmanos que vivem
entre nós.
Poderia
discutir-se de maneira frutífera os sentidos contestados que
envolvem um elemento particular, como o hijab (véu muçulmano), e o
conflito simbólico de civilizações e valores representado pelo
comportamento da professora (sincero, mas inoportuno, assim mal
aconselhado?) durante o universalmente sagrado mês cristão do
Advento. Esta discussão destina-se não a aumentar o conflito, mas
para nos auxiliar a entendê-lo como parte de uma série de questões
mais amplas.
Portanto,
o caso em si (se muçulmanos e cristãos adoram ao mesmo Deus) põe
em relevo de maneira gritante a importância fundamental de
auxiliarmos os estudantes, líderes, igrejas e instituições a
aprenderem a pensar missiologicamente. Em um mundo globalizado, a
"inteligência cultural" ou "QC" é um componente
essencial do discipulado cristão (p.ex. veja os livros e recursos
escritos por David Livermore). Ou seja, o processo de responder a
pergunta feita é tão importante quanto as próprias respostas.
Finalmente,
esta abordagem de "estudo de caso" sugere o valor potencial
da "prática reflexiva" como abordagem pedagógica para
questões missiológicas contemporâneas tais como esta. Definidas
por Donald Schon, as práticas reflexivas envolvem "considerar
detidamente as próprias experiências ao aplicar o conhecimento à
prática, enquanto se é orientado por profissionais na disciplina"
(Education the reflective practitioner: Toward a new design
for teaching and learning the professions, San Francisco:
Jossey-Bass, Inc., 1996).
As
reflexões são, desta maneira relacionadas à "teoria" -
o conjunto do conhecimento profissional, perspectivas teóricas,
conceitos, estudos de caso e críticas na literatura a respeito de um
tópico em um ou mais campos de estudo. O processo crítico e a
"descrição cerrada" tem a intenção de equipar os
envolvidos (alunos, profissionais em treinamento como professores,
enfermeiras, outros) a se tornarem "praticantes reflexivos,"
e a desenvolverem a verdadeira "arte profissional" e
"perícia" em qualquer área. O processo é projetado para
trazer à luz uma série de questões pessoais, conceituais, afetivas
(emocionais, intuitivas), relacionais e comportamentais - tão
necessárias para a discussão de assuntos potencialmente explosivos.
Neste
caso, as pessoas e estudantes que não tenham se envolvido no
incidente em questão poderiam ser orientados, no entanto, a
relacionar suas crenças e experiências a uma estrutura conceitual e
campo de prática mais amplos. Os missiólogos auxiliam para que o
Corpo de Cristo deseje e se prepare para o envolvimento na missio
Dei. A "arte" que buscamos é a semelhança de Cristo, e a
"perícia" para a participação na missio Dei é graça,
conhecimentos e habilidades necessárias para amar, respeitar e
testemunhar com clareza e ver comunidades de fé estabelecidas entre
os povos muçulmanos.
A
controvérsia se cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus é um
desafio para que os missiólogos encontrem novas maneiras de
contribuírem e configurarem a discussão evangelical mais ampla e a
responder a essas questões. O tipo de auto-consciência e pensamento
missionário exigidos para quem trabalha com outras culturas é o que
nossa comunidade evangelical inteira precisa agora.
Em
um mundo pluralista, os seguidores de Cristo precisam aprender as
habilidades críticas do "igual e diferente". Como andar
retamente em sociedades com valores invertidos; como relacionar-se
respeitosamente com outros na mesa-redonda religiosa; como pensar
biblicamente a respeito de Deus, da vida e do mundo ao nosso redor.
Contextualização
mãos-na-massa - o jogo do "encontre os erros" da vida e
testemunho cotidianos - exige mais que empatia, tolerância ou a
identificação simplista com os muçulmanos ou outros. Mais que
nunca, precisamos "transbordar de pleno conhecimento da sua
vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de
vivermos de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado,
frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de
Deus" (Cl 1.9-10).
*Leonard
N. (Len) Bartlotti é consultor intercultural e professor adjunto na
Graduate Institute of Applied Linguistics (Dallas, Texas). Serviu por
muitos anos na Ásia Central.
FONTE:
Publicado
originalmente em
https://www.emsweb.org/images/occasional-bulletin/special-editions/OB_SpecialEdition_2016.pdf
Traduzido
por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com
)
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