quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Como Ajudar os Cristãos a Pensar sobre "Alá" e Assuntos Contemporâneos a Partir de Perspectivas Missiológicas.

"Jogo dos Sete Erros": Como Ajudar os Cristãos a Pensar sobre "Alá" e Assuntos Contemporâneos a Partir de Perspectivas Missiológicas.



Leonard N. (Len) Bartlotti*

Durante as férias, tive o prazer de jogar o jogo do "igual e diferente" com uma criança do ensino fundamental I. Meu neto Cooper sacou um livro do tipo "Jogo dos Erros". Em páginas opostas havia desenhos cada vez mais complexos. À primeira vista, ambas as figuras pareciam idênticas! Todavia, ao olhar cuidadosamente percebia-se haver dez ou mais "coisas que são diferentes" entre as figuras. (Nota mental: crianças de oito anos conseguem ser bem rápidas!)

Essa prática de identificar objetos que são "iguais mas não são iguais" é uma habilidade que se aprende. As crianças se divertem aprendendo a como prestar atenção nos detalhes. Mas os jogos, assim como a vida, ficam cada vez mais complexos.

O debate público do momento sobre se muçulmanos e cristãos adoram ao "mesmo Deus" - causado pelos comentários públicos de uma professora de Wheaton usando um hijab - é o caso em questão. Cristãos, estudantes, pastores e professores estão sendo desafiados a irem além dos comentários típicos de Facebook, respostas emotivas (raiva ou simpatia) e teologização apressada.

Este é um "momento ensinável" para o Corpo de Cristo! Dada a variedade de encontros entre o Islã e o Ocidente (p.ex. a enxurrada de imigrantes muçulmanos; o salafismo e o Islã radical; as tensões entre sunitas e xiitas), os educadores e pastores tem oportunidades inesperadas, dadas por Deus, para ajudarem os crentes a aprenderem a "missiologia mão-na-massa" e relacionarem sua fé à sua vida real!

Enquanto pensamos sobre as implicações missiológicas da afirmação ou negação sobre se adoramos ao mesmo Deus, é importante explorarmos as questões pedagógicas que o assunto traz consigo: Como podemos, sendo estudiosos-práticos e líderes missionários, capitalizar a partir desse momento ensinável e usá-lo para o aprendizado, discipulado e formação missionária?

Antes (ou ao invés) de sairmos dizendo aos alunos e congregações o que pensar a respeito, como podemos ajudá-los a explorar como pensar a respeito das implicações missiológicas deste e de outros casos que surgem a partir de nossos encontros culturais e espirituais com os muçulmanos e com outros?

Podemos aprender muito sobre Deus a partir de nossos encontros com aqueles diferentes de nós. Tais experiências, inclusive os comportamentos controversos que os outros tenham, têm um impacto poderoso em nossas vidas e na forma como abordamos aos outros, e podem nos dizer que tipo de pessoas, líderes e testemunhas queremos ser em um mundo pluralista e multicultural.

Eu sugeriria que as igrejas e os educadores usem a questão do "mesmo Deus" e o incidente em Wheaton como um estudo de caso sobre missões, uma espécie de jogo de encontrar os erros, de forma a auxiliar os cristãos a aprenderem lições cada vez mais complexas sobre como nos engajarmos de maneira reflexiva e efetiva com os muçulmanos e outros. Em um estudo de caso, um problema da vida real é apresentado para uma discussão em grupo. O objetivo é ajudar os cristãos a pensarem de maneira bíblica, reflexiva, dialógica e em oração, em comunidade.

Há material mais que suficiente na controvérsia sobre o "mesmo Deus" em Wheaton para desenvolvermos um estudo de caso conciso, com cerca de duas a três páginas. As especificidades de um estudo de caso - incorporando comentários feitos pela professora que usou o hijab, a resposta da faculdade e outras, bem como detalhes da cobertura da mídia - podem ser ferramentas pedagógicas tão úteis quanto escritos e discursos mais abstratos.

Para os missiólogos, o assunto, o "texto" em discussão, não é uma simples postagem no Facebook, uma declaração online ou um tópico de teologia a ser defendido ou censurado isoladamente. Em missiologia, contexto é fundamental. Portanto, ajudar os crentes a explorarem o contexto social, cultural, religioso e geopolítico mais amplo nesta controvérsia é essencial, tanto para a compreensão e práxis evangelical quanto para o projeto missiológico. Esta é uma aplicação do "círculo hermenêutico", o processo de se compreender o "texto" todo tendo como referência suas partes individuais, e como as partes individuais ou um elemento se relaciona com o todo.

Re-formatarmos o incidente de Wheaton ou a questão sobre o "mesmo Deus" desta forma nos leva a explorar como este elemento específico se relaciona com os contextos mais amplos da teologia; crenças, práticas e instituições evangelicais contemporâneas; a função simbólica e o significado das declarações de doutrina; os privilégios e responsabilidades dos docentes; e as respostas evangelicais contemporâneas ao Islã e aos muçulmanos que vivem entre nós.

Poderia discutir-se de maneira frutífera os sentidos contestados que envolvem um elemento particular, como o hijab (véu muçulmano), e o conflito simbólico de civilizações e valores representado pelo comportamento da professora (sincero, mas inoportuno, assim mal aconselhado?) durante o universalmente sagrado mês cristão do Advento. Esta discussão destina-se não a aumentar o conflito, mas para nos auxiliar a entendê-lo como parte de uma série de questões mais amplas.

Portanto, o caso em si (se muçulmanos e cristãos adoram ao mesmo Deus) põe em relevo de maneira gritante a importância fundamental de auxiliarmos os estudantes, líderes, igrejas e instituições a aprenderem a pensar missiologicamente. Em um mundo globalizado, a "inteligência cultural" ou "QC" é um componente essencial do discipulado cristão (p.ex. veja os livros e recursos escritos por David Livermore). Ou seja, o processo de responder a pergunta feita é tão importante quanto as próprias respostas.

Finalmente, esta abordagem de "estudo de caso" sugere o valor potencial da "prática reflexiva" como abordagem pedagógica para questões missiológicas contemporâneas tais como esta. Definidas por Donald Schon, as práticas reflexivas envolvem "considerar detidamente as próprias experiências ao aplicar o conhecimento à prática, enquanto se é orientado por profissionais na disciplina" (Education the reflective practitioner: Toward a new design for teaching and learning the professions, San Francisco: Jossey-Bass, Inc., 1996).

As reflexões são, desta maneira relacionadas à "teoria" - o conjunto do conhecimento profissional, perspectivas teóricas, conceitos, estudos de caso e críticas na literatura a respeito de um tópico em um ou mais campos de estudo. O processo crítico e a "descrição cerrada" tem a intenção de equipar os envolvidos (alunos, profissionais em treinamento como professores, enfermeiras, outros) a se tornarem "praticantes reflexivos," e a desenvolverem a verdadeira "arte profissional" e "perícia" em qualquer área. O processo é projetado para trazer à luz uma série de questões pessoais, conceituais, afetivas (emocionais, intuitivas), relacionais e comportamentais - tão necessárias para a discussão de assuntos potencialmente explosivos.

Neste caso, as pessoas e estudantes que não tenham se envolvido no incidente em questão poderiam ser orientados, no entanto, a relacionar suas crenças e experiências a uma estrutura conceitual e campo de prática mais amplos. Os missiólogos auxiliam para que o Corpo de Cristo deseje e se prepare para o envolvimento na missio Dei. A "arte" que buscamos é a semelhança de Cristo, e a "perícia" para a participação na missio Dei é graça, conhecimentos e habilidades necessárias para amar, respeitar e testemunhar com clareza e ver comunidades de fé estabelecidas entre os povos muçulmanos.

A controvérsia se cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus é um desafio para que os missiólogos encontrem novas maneiras de contribuírem e configurarem a discussão evangelical mais ampla e a responder a essas questões. O tipo de auto-consciência e pensamento missionário exigidos para quem trabalha com outras culturas é o que nossa comunidade evangelical inteira precisa agora.

Em um mundo pluralista, os seguidores de Cristo precisam aprender as habilidades críticas do "igual e diferente". Como andar retamente em sociedades com valores invertidos; como relacionar-se respeitosamente com outros na mesa-redonda religiosa; como pensar biblicamente a respeito de Deus, da vida e do mundo ao nosso redor.

Contextualização mãos-na-massa - o jogo do "encontre os erros" da vida e testemunho cotidianos - exige mais que empatia, tolerância ou a identificação simplista com os muçulmanos ou outros. Mais que nunca, precisamos "transbordar de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de vivermos de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescendo no pleno conhecimento de Deus" (Cl 1.9-10).

*Leonard N. (Len) Bartlotti é consultor intercultural e professor adjunto na Graduate Institute of Applied Linguistics (Dallas, Texas). Serviu por muitos anos na Ásia Central.




Traduzido por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )

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