terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Construindo Pontes de Paz em Meio à Diversidade Religiosa

Construindo Pontes de Paz em Meio à Diversidade Religiosa


Sarita D. Gallagher

A pergunta "cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" é uma que atrai tanto o interesse quanto a polarização. Nas últimas semanas, eventos ocorridos na minha alma mater, Wheaton College, alçaram esta discussão a um nível nacional. Teólogos cristãos e muçulmanos têm discutido essa questão pertinente através da história, inclusive estudiosos como Martinho Lutero, Nicolau de Cusa, João de Segóvia, Ahmad Ibn Taymīyah e mais recentemente Phil Parshall, Dudley Woodberry, Timothy George, Reza Shah-Kazemi e Miroslav Volf. A questão da existência de uma deidade compartilhada pelas religiões Abraâmicas tem sido analisada sob uma série de perspectivas: linguística, teológica, política e socio-cultural, histórica e missiológica. Apesar dos séculos de discursos debatendo a natureza e identidade do Deus Abraâmico, esta questão permanece relevante em nosso mundo de hoje e exige um exame renovado.

No campo da missiologia, a discussão sobre a relação entre o Islã e o cristianismo se concentra principalmente na questão da contextualização do evangelho para os povos muçulmanos. Desde os primeiros esforços missionários de líderes cristãos como Francisco de Assis no século 13, os missionários cristãos têm buscado construir pontes de comunicação e respeito mútuo com os líderes e fiéis muçulmanos no mundo todo. Compreender que os povos muçulmanos são criados e amados por Deus tem sido fundamental nesse esforço. A história familiar compartilhada por ambas as religiões através de Abraão, a epistemologia do termo árabe "Alá" e a aceitação de parte dos escritos proféticos judaicos e cristãos pelos muçulmanos têm sido uma plataforma para abertura de portas para um diálogo interreligioso respeitoso e para o testemunho cristão.

Embora a contextualização seja amplamente aceita na missiologia, a questão sobre haver um Deus compartilhado é mais controversa. Os principais motivos para tal discordância incluem questões soteriológicas e cristológicas subjacentes ao debate, tais como a salvação através de Cristo, a divindade de Cristo, a revelação divina e a exclusividade versus universalidade. Por trás da questão de uma deidade Abraâmica compartilhada, há uma infinidade de implicações teológicas consideráveis. Por exemplo, se Alá é Deus, então a religião islâmica é de Deus? Yahweh falou com Muhammad ibn ‘Abdullāh através de um anjo na Caverna de Hira, em 610 dC? Se sim, contém o Alcorão novas revelações vindas de Deus? Se for este o caso, os ensinamentos alcorânicos sobre Jesus de Nazaré devem ser levados em consideração. De acordo com o Alcorão, Jesus nasceu de uma virgem (Surata 19.16-21) mas foi criado por Deus (3.59). Além disso, Jesus é entendido como sendo um ser humano e mensageiro de Deus, mas não como sendo Deus (5.75). De acordo com o Alcorão, Jesus não foi crucificado, tampouco ressuscitou dos mortos. Ao invés, Deus levou-o aos céus em seu estado humano (4.157-158). Finalmente, embora Jesus volte no fim dos tempos, ele irá rejeitar claramente o fato de ser Deus além de negar o ensinamento herético da Trindade (4.159; 5.116-118).

As implicações missiológicas de cada resposta à pergunta "cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" são vastas. Embora responder a esta indagação com um simples "sim" ou "não" seja tentador, ela exige uma reflexão teológica cuidadosa. Enquanto me reunia com meu grupo de diálogo interreligioso nesta manhã em Portland, Oregon, lembrei-me da importância de se construir pontes de paz em meio à diversidade religiosa. Ao avançarmos nesta discussão, é crucial admitirmos as diferenças teológicas únicas entre o cristianismo e o Islã enquanto também mantemos nosso comprometimento em buscarmos relacionamentos pacíficos com nossos vizinhos muçulmanos.

Obras citadas
Ibn Taymīyah, Ahmad. Jawāb al-Ṣaḥīḥ li-Man Baddala Dīn al-Masī 1316.
George, Timothy. Is the Father of Jesus the God of Muhammad?: Understanding the Differences Between Christianity and Islam. (O Pai de Jesus é o Deus de Muhammad?: Compreendendo as Diferenças entre Cristianismo e o Islã. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2002.
João de Segóvia. De Mittendo Gladio in Saracenos. Século 15.
Lutero, Martinho. Sobre a Guerra Contra os Turcos. 1529.
Nicolau de Cusa. De Pace Fidei.1453.
Parshall, Phil. The Cross and the Crescent. (A Cruz e o Crescente) Wheaton, IL: Tyndale House, 1989.
Shah-Kazemi, Reza. “Do Muslims and Christians Believe in the Same God. (Muçulmanos e Cristãos Crêem no Mesmo Deus?)” In Do We Worship the Same God?: Jews, Christians, and Muslims in Dialogue. (Adoramos ao Mesmo Deus? Judeus, Cristãos e Muçulmanos em Diálogo. Miroslav Volf ed. Grand Rapids, MI: Eedrmans, 2012.
Volf, Miroslav. Allah: A Christian Response. (Alá: Uma Resposta Cristã) New York: Harper One, 2011.
Woodberry, J. Dudley. “Contextualization Among Muslims Reusing Common Pillars. (A Contextualização Entre os Muçulmanos Reutilizando Pilares Comuns)” International Journal of Frontier Missions.Vol. 13:4 (Out.-Dez. 1996): 171-186.
_____. Muslims and Christians on the Emmaus Road (Muçulmanos e Cristãos no Caminho de Emaús). Monrovia, CA: MARC, 1989.


Sarita D.Gallagher é Professora Associada de Religão na George Fox University.

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