Construindo Pontes de
Paz em Meio à Diversidade Religiosa
Sarita D. Gallagher
A pergunta "cristãos
e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" é uma que atrai tanto o
interesse quanto a polarização. Nas últimas semanas, eventos
ocorridos na minha alma mater, Wheaton College, alçaram esta
discussão a um nível nacional. Teólogos cristãos e muçulmanos
têm discutido essa questão pertinente através da história,
inclusive estudiosos como Martinho Lutero, Nicolau de Cusa, João de
Segóvia, Ahmad Ibn Taymīyah e mais recentemente Phil Parshall,
Dudley Woodberry, Timothy George, Reza Shah-Kazemi e Miroslav Volf. A
questão da existência de uma deidade compartilhada pelas religiões
Abraâmicas tem sido analisada sob uma série de perspectivas:
linguística, teológica, política e socio-cultural, histórica e
missiológica. Apesar dos séculos de discursos debatendo a natureza
e identidade do Deus Abraâmico, esta questão permanece relevante em
nosso mundo de hoje e exige um exame renovado.
No campo da
missiologia, a discussão sobre a relação entre o Islã e o
cristianismo se concentra principalmente na questão da
contextualização do evangelho para os povos muçulmanos. Desde os
primeiros esforços missionários de líderes cristãos como
Francisco de Assis no século 13, os missionários cristãos têm
buscado construir pontes de comunicação e respeito mútuo com os
líderes e fiéis muçulmanos no mundo todo. Compreender que os povos
muçulmanos são criados e amados por Deus tem sido fundamental nesse
esforço. A história familiar compartilhada por ambas as religiões
através de Abraão, a epistemologia do termo árabe "Alá"
e a aceitação de parte dos escritos proféticos judaicos e cristãos
pelos muçulmanos têm sido uma plataforma para abertura de portas
para um diálogo interreligioso
respeitoso e para o testemunho cristão.
Embora a
contextualização seja amplamente aceita na missiologia, a questão
sobre haver um Deus compartilhado é mais controversa. Os principais
motivos para tal discordância incluem questões soteriológicas e
cristológicas subjacentes ao debate, tais como a salvação
através de Cristo, a divindade de Cristo, a revelação divina e a
exclusividade versus universalidade. Por trás da questão de uma
deidade Abraâmica compartilhada, há uma infinidade de implicações
teológicas consideráveis. Por exemplo, se Alá é Deus, então a
religião islâmica é de Deus? Yahweh falou com Muhammad ibn
‘Abdullāh através de um anjo na Caverna de Hira, em 610 dC? Se
sim, contém o Alcorão novas revelações vindas de Deus? Se for
este o caso, os ensinamentos alcorânicos sobre Jesus de Nazaré
devem ser levados em consideração. De acordo com o Alcorão, Jesus
nasceu de uma virgem (Surata 19.16-21) mas foi criado por Deus
(3.59). Além disso, Jesus é entendido como sendo um ser humano e
mensageiro de Deus, mas não como sendo Deus (5.75). De acordo com o
Alcorão, Jesus não foi crucificado, tampouco ressuscitou dos
mortos. Ao invés, Deus levou-o aos céus em seu estado humano
(4.157-158). Finalmente, embora Jesus volte no fim dos tempos, ele
irá rejeitar claramente o fato de ser Deus além de negar o
ensinamento herético da Trindade (4.159; 5.116-118).
As implicações
missiológicas de cada resposta à pergunta "cristãos e
muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" são vastas. Embora responder
a esta indagação com um simples "sim" ou "não"
seja tentador, ela exige uma reflexão teológica cuidadosa. Enquanto
me reunia com meu grupo de diálogo interreligioso
nesta manhã em Portland, Oregon, lembrei-me da importância de se
construir pontes de paz em meio à diversidade religiosa. Ao
avançarmos nesta discussão, é crucial admitirmos as diferenças
teológicas únicas entre o cristianismo e o Islã enquanto também
mantemos nosso comprometimento em buscarmos relacionamentos pacíficos
com nossos vizinhos muçulmanos.
Obras citadas
Ibn Taymīyah, Ahmad.
Jawāb al-Ṣaḥīḥ li-Man Baddala Dīn al-Masī 1316.
George,
Timothy. Is the Father of Jesus the God of Muhammad?: Understanding
the Differences Between Christianity and Islam. (O Pai de
Jesus é o Deus de Muhammad?: Compreendendo as Diferenças entre
Cristianismo e o Islã. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2002.
João de Segóvia. De
Mittendo Gladio in Saracenos. Século 15.
Lutero, Martinho. Sobre
a Guerra Contra os Turcos. 1529.
Nicolau de
Cusa. De Pace Fidei.1453.
Parshall,
Phil. The Cross and the Crescent. (A Cruz e o Crescente)
Wheaton, IL: Tyndale House, 1989.
Shah-Kazemi,
Reza. “Do Muslims and Christians Believe in the Same God.
(Muçulmanos e Cristãos Crêem no Mesmo Deus?)” In Do We Worship
the Same God?: Jews, Christians, and Muslims in Dialogue. (Adoramos
ao Mesmo Deus? Judeus, Cristãos e Muçulmanos em Diálogo. Miroslav
Volf ed. Grand Rapids, MI: Eedrmans, 2012.
Volf,
Miroslav. Allah: A Christian Response. (Alá: Uma Resposta Cristã)
New York: Harper One, 2011.
Woodberry,
J. Dudley. “Contextualization Among Muslims Reusing Common Pillars.
(A Contextualização Entre os Muçulmanos Reutilizando
Pilares Comuns)” International Journal of Frontier Missions.Vol.
13:4 (Out.-Dez. 1996): 171-186.
_____. Muslims and
Christians on the Emmaus Road (Muçulmanos e Cristãos no Caminho de
Emaús). Monrovia, CA: MARC, 1989.
Sarita D.Gallagher é
Professora Associada de Religão na George Fox University.
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