quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Wheaton College, Um Deus e o Diálogo Muçulmano-Cristão: O Passado Recente e o Difícil Presente

Wheaton College, Um Deus e o Diálogo Muçulmano-Cristão: O Passado Recente e o Difícil Presente



Brian M. Howell*

Em sete de dezembro, em resposta a ataques armados ocorridos em San Bernardino, o líder na indicação para a corrida presidencial pelos Republicanos Donald Trump anunciou em um comício na Carolina do Sul seu apoio a uma "suspensão total e completa da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos"i. O comentário ecoou em um apelo emitido por Franklin Graham, CEO da Associação Evangelística Billy Graham, para que se proíba muçulmanos de imigrarem para os Estados Unidos após um ataque que matou quatro fuzileiros navais em Chattanooga, Tenessee em julho daquele anoii. Dias antes da proposta de Trump, o presidente da Liberty University, Jerry Falwell Junior, dirigindo-se a uma assembleia universitária semanal, incentivou os alunos a solicitarem porte de arma, afirmando que "se mais pessoas de bem tiverem porte de arma, então poderíamos dar um fim nesses muçulmanos antes que eles entrassem..."iii

Como resposta à retórica política e religiosa que visa estigmatizar os muçulmanos como sendo uniformemente violentos e perigosos, diversos membros da comunidade da Wheaton College tomaram a iniciativa de construir pontes com os membros da comunidade muçulmana e comunicar amor e cuidado. Tais iniciativas incluíram mandar flores e bilhetes a um centro islâmico local, esboçar uma carta aberta ao dr. Falwell condenando suas observações, e naquilo que se tornaria o gesto mais proeminente, o comprometimento da professora associada de ciências políticas, Larycia Hawkins, de usar um hijab em solidariedade aos muçulmanos durante o restante do período do Advento.

Ao anunciar sua ação, postada em sua página pessoal do Facebook em dez de dezembro, a dra. Hawkins publicou duas fotos de si mesma usando um lenço sobre seus cabelos e uma declaração de trezentas e sessenta e seis palavras encorajando outros a se unirem em "solidariedade encarnada" aos muçulmanos como expressão de sua humanidade comum, e que os cristãos fizessem isso como forma de solidariedade religiosa. Ela chamou esse ato como expressão de sua "adoração de Advento" e convocou todos a documentarem suas experiências e postá-las nas redes sociais.

Todas essas iniciativas atraíram atenção consideráveliv, assim como críticas de diversos comentaristas com base política e teológica, mas uma afirmação em particular atraiu a grande maioria da atenção. Em seu chamado por solidariedade, Hawkins escreveu "eu me coloco em solidariedade religiosa com os muçulmanos porque eles, como eu, uma cristã, são povo do livro. E assim como o Papa Francisco afirmou semana passada, nós adoramos ao mesmo Deus."v

Esta não foi a primeira vez na qual questões sobre as relações muçulmano-cristãs foram levantadas no Wheaton College. Em 2007, o então presidente de Wheaton Duane Litfin e o atual provost Stanton Jones assinaram o documento "Loving God and Neighbor Together" (Amar a Deus e ao Próximo Juntos), um documento esboçado no Yale Center for Faith and Culture (Centro de Fé e Cultura de Yale), delineando áreas de convergência entre muçulmanos e cristãos. Após o documento ser altamente criticado por alguns líderes evangelicais, incluindo John Piper (da turma de 1968 e Wheaton), Al Mohler e por Focus on the Family, eles removeram seus nomes. O presidente Litfin foi citado no jornal do campus tendo dito que ele:

“não havia sido cuidadosamente trabalhado para evitar o encorajamento da premissa básica da religião civil, ou seja, todos nós adoramos ao mesmo Deus, escalamos a mesma montanha, apenas tomando caminhos diferentes. [...] Falar de forma não qualificada sobre "nosso amor comum a Deus", como se o Alcorão e Alá e o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo fossem o mesmo, e como se o significado de "amar a Deus" nessas duas fés significassem a mesma coisa, é dizer mais do que estou disposto a me comprometer. Não critico outros que não compartilham esse desconforto. Mas, quanto a mim, senti a necessidade de recuar.”vi

Este evento ocorreu no primeiro ano de Hawkins em Wheaton, e não está claro se ela tinha isso em mente quando esboçou suas próprias declarações. Ainda, ao citar o Papa Francisco e posteriormente ao teólogo de Yale Miroslav Volf e o curador consultivo de Wheaton e antigo deão da Beeson Divinity School, Timothy George (entre outros), Hawkins imaginou que suas palavras estivessem de acordo com a declaração de fé da faculdade e fossem teologicamente defensáveis. O que logo se tornou claro, entretanto, assim como o documento "Loving God..." foi que alguns constituintes - incluindo administradores - sentiram que a ideia de que cristãos e muçulmanos adorem o "mesmo deus" contradizia o comprometimento teológico com qual todos na faculdade devem concordar. Em quinze de dezembro, Hawkins foi convocada a se encontrar com o provost, outros membros do corpo administrativos e representantes da faculdade, onde foi informada que seria colocada em licença remunerada, assim como solicitada a fornecer uma explicação por escrito de suas declarações.

No tiroteio que se seguiu na mídia, houve artigos no New York Times, Washington Post, The Atlantic, The Guardian (Reino Unido), USA Today e muitos mais. Editoriais foram escritos defendendo ambos os lados do debate. Mulheres muçulmanas escreveram editoriais tanto elogiando quanto criticando as iniciativas de Hawkins. Estudiosos bíblicos, historiadores, cientistas sociais e teólogos, vindo de diversas tradições, escreveram textos expressando tanto apoio quanto crítica.

No campus, as opiniões se dividiram da mesma forma. Cerca de cem alunos participaram de um protesto no campus e exigiram que o presidente Phil Ryken reintegrasse a dra.Hawkins. Alguns levantaram suas vozes para apoiar as ações administrativas e diversos outros escreveram textos em blogs expressando apoio semelhante. A voz dos docentes tem se mantido calada enquanto as discussões legais e institucionais estão em andamento. Há um inquestionável e forte apoio à professora Hawkins, além de preocupações sobre o processo. Ao mesmo tempo, alguns membros do corpo docente expressaram apoio às preocupações teológicas expressas na ação administrativa.

Sob solicitação da administração, a dra.Hawkins forneceu à faculdade uma explicação clara por escrito a respeito de suas declarações. Neste documento, tornado público em cinco de janeiro (disponível para consultas em http://drlaryciahawkins.org) ela explicou seu entendimento sobre a declaração de que muçulmanos e cristãos adoram ao mesmo Deus como não contraditória ao comprometimento com a teologia trinitária, teologia da salvação através de Cristo somente e outras doutrinas explícitas na Declaração de Fé da faculdade, todas as quais ela declara continuar a afirmar. Ao descrever sua compreensão sobre a noção de "mesmo deus", ela escreve,

Como [Timothy George, John Stackhouse, Scot McKnight, Miroslav Volf e os escritos pontifícios pós-Vaticano II], reconheço que a afirmação "adoramos ao mesmo Deus" é ao mesmo tempo um 'sim' e um 'não' à pergunta se tanto cristãos quanto muçulmanos (assim como judeus) voltam-se ao mesmo objeto de adoração, ou seja, o "Deus e Pai de Todos nós, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos" (Ef. 4.6).

Após receber o documento, os administradores da faculdade pediram que Hawkins fornecesse explicações pessoais adicionais ao Conselho Diretor da instituição como condição para sua permanência como professora titular. Ela recusou tal solicitação, e a partir de então, as negociações entre os advogados de ambas as partes estão em andamento. Em quatro de janeiro, a dra.Hawkins recebeu uma notificação de rescisão de trinta e oito páginas. Embora este documento não tenha se tornado público em sua totalidade, diversas declarações à imprensa sugerem que a causa para a revogação de titularidade e demissão da faculdade tenham sejam tanto teológicas quanto contratuais, tendo a ver com "insubordinação" ou sua falta de disposição para participar de conversas em andamento para além de seu emprego seguro.

Deve-se notar que a faculdade emitiu uma série de comunicados sobre as diversas declarações feitas pela profa. Hawkins e outros membros do corpo docente e alunos, expressando seu apoio pela liberdade que os alunos e empregados de Wheaton têm para expressarem suas opiniões sobre solidariedade religiosa. Eles foram claros ao dizer que a decisão de suspender a dra.Hawkins não se deve a sua decisão de usar o hijab (embora uma série de comentaristas tenham criticado tal iniciativa), mas por causa de uma "falta de clareza" sobre suas declarações consideradas teológicas em natureza, principalmente a de que cristãos e muçulmanos adoram ao "mesmo deus." Negaram que a raça ou gênero tenham sido fatores em sua decisão, assim como estavam conscientes de que um número de observadores tenha notado a dinâmica de que a única professora titular mulher e negra estivesse recebendo o que era indiscutivelmente uma resposta administrativa incomum.vii Assim como este escrito, os administradores de Wheaton postaram uma página de Frequently Asked Questions (perguntas frequentes) em sua página na internet abordando uma série de questões que tem sido veiculadas a respeito da suspensão da dra.Hawkins. Parece claro que isto tem se tornado algo como um teste de Rorschach para aqueles se perguntando sobre o estado de Wheaton College, do evangelicalismo e mesmo do cristianismo nos Estados Unidos. Para alguns, isto é mais uma prova sobre a natureza obtusa, culturalmente e racialmente míope do evangelicalismo norte-americano, que desliza rumo à irrelevância. Para outros, é um caso de uma instituição enfrentando as forças do liberalismo e pluralismo que desvalorizariam a reivindicação da verdade do evangelho e das distinções teológicas cristãs em nome da tolerância. Não importa como o caso particular da dra.Hawkins irá se resolver, parece claro que tais questões e iniciativas atingiram áreas vitais da missão e do diálogo cristão; elas certamente merecem reflexão ponderada que seja biblicamente, culturalmente e teologicamente sólida.


*Brian M. Howell é Professor de Antropologia no Wheaton College.


Traduzido por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )
i http://www.cnn.com/2015/12/07/politics/donald-trump-muslim-ban-immigration/
ii http://www.christianpost.com/news/evangelicals-condemn-franklin-grahamscall-to-ban-muslim-immigration-afterchattanooga-shooting-141697/pageall.html
iii https://www.washingtonpost.com/news/acts-of-faith/wp/2015/12/05/libertyuniversity-president-if-more-good-peoplehad-concealed-guns-we-could-end-thosemuslims/
iv A visita do corpo docente de Wheaton (a faculdade) ao Centro Islâmico de Wheaton (a localidade) foi compartilhada mais de 500, atingindo um número estimado de mais de 50.000 pessoas. Uma carta aberta a Jerry Falwell Junior escrita pelos alunos de Wheaton e publicada no jornal da escola (The Wheaton Record) foi republicada no Washington Post. O post na página do Facebook da professora Larycia Hawkins foi primeiramente noticiado pelo Chicago Tribune, depois pelo site Christian Post, antes de circular amplamente através de uma série de veículos da mídia impressa e online. A cobertura se estenderia, finalmente, à televisão, ao National Public Radio, diversos veículos europeus e inumeráveis blogs e postagens online.
v Um dos docentes que participou na entrega de flores e do bilhete ao Centro Islâmico de Wheaton também escreveu que cristãos e muçulmanos compartilham a adoraçao ao "único e verdadeiro Deus." Sua nota, em papel timbrado de Wheaton, foi postada na página do Facebook do Centro Islâmico e também recebeu críticas e preocupações administrativas. Também foi solicitado que ela fornecesse uma resposta escrita à administração, a qual foi aceita sem que qualquer medida adicional fosse exigida.
vi Relato mais completo aqui: http://www.acommonword.com/wheatoncollege-administrators-remove-names-fromchristian-muslim-statement/

vii A única outra ocasião na qual um professor titular foi colocado em licença administrativa nos últimos vinte anos foi o caso de um professor acusado (posteriormente
condenado) de possuir e comercializar pornografia infantil.

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