Wheaton College, Um
Deus e o Diálogo Muçulmano-Cristão: O Passado Recente e o Difícil
Presente
Brian M. Howell*
Em sete de dezembro, em
resposta a ataques armados ocorridos em San Bernardino, o líder na
indicação para a corrida presidencial pelos Republicanos Donald
Trump anunciou em um comício na Carolina do Sul seu apoio a uma
"suspensão total e completa da entrada de muçulmanos nos
Estados Unidos"i.
O comentário ecoou em um apelo emitido por Franklin Graham, CEO da
Associação Evangelística Billy Graham, para que se proíba
muçulmanos de imigrarem para os Estados Unidos após um ataque que
matou quatro fuzileiros navais em Chattanooga, Tenessee em julho
daquele anoii.
Dias antes da proposta de Trump, o presidente da Liberty University,
Jerry Falwell Junior, dirigindo-se a uma assembleia universitária
semanal, incentivou os alunos a solicitarem porte de arma, afirmando
que "se mais pessoas de bem tiverem porte de arma, então
poderíamos dar um fim nesses muçulmanos antes que eles
entrassem..."iii
Como resposta à
retórica política e religiosa que visa estigmatizar os muçulmanos
como sendo uniformemente violentos e perigosos, diversos membros da
comunidade da Wheaton College tomaram a iniciativa de construir
pontes com os membros da comunidade muçulmana e comunicar amor e
cuidado. Tais iniciativas incluíram mandar flores e bilhetes a um
centro islâmico local, esboçar uma carta aberta ao dr. Falwell
condenando suas observações, e naquilo que se tornaria o gesto mais
proeminente, o comprometimento da professora associada de ciências
políticas, Larycia Hawkins, de usar um hijab em solidariedade aos
muçulmanos durante o restante do período do Advento.
Ao anunciar sua ação,
postada em sua página pessoal do Facebook em dez de dezembro, a dra.
Hawkins publicou duas fotos de si mesma usando um lenço sobre seus
cabelos e uma declaração de trezentas e sessenta e seis palavras
encorajando outros a se unirem em "solidariedade encarnada"
aos muçulmanos como expressão de sua humanidade comum, e que os
cristãos fizessem isso como forma de solidariedade religiosa. Ela
chamou esse ato como expressão de sua "adoração de Advento"
e convocou todos a documentarem suas experiências e postá-las nas
redes sociais.
Todas essas iniciativas
atraíram atenção consideráveliv,
assim como críticas de diversos comentaristas com base política e
teológica, mas uma afirmação em particular atraiu a grande maioria
da atenção. Em seu chamado por solidariedade, Hawkins escreveu "eu
me coloco em solidariedade religiosa com os muçulmanos porque eles,
como eu, uma cristã, são povo do livro. E assim como o Papa
Francisco afirmou semana passada, nós adoramos ao mesmo Deus."v
Esta não foi a
primeira vez na qual questões sobre as relações muçulmano-cristãs
foram levantadas no Wheaton College. Em 2007, o então presidente de
Wheaton Duane Litfin e o atual provost Stanton Jones assinaram o
documento "Loving God and Neighbor Together" (Amar a Deus e
ao Próximo Juntos), um documento esboçado no Yale Center for Faith
and Culture (Centro de Fé e Cultura de Yale), delineando áreas de
convergência entre muçulmanos e cristãos. Após o documento ser
altamente criticado por alguns líderes evangelicais, incluindo John
Piper (da turma de 1968 e Wheaton), Al Mohler e por Focus on the
Family, eles removeram seus nomes. O presidente Litfin foi citado no
jornal do campus tendo dito que ele:
“não havia sido
cuidadosamente trabalhado para evitar o encorajamento da premissa
básica da religião civil, ou seja, todos nós adoramos ao mesmo
Deus, escalamos a mesma montanha, apenas tomando caminhos diferentes.
[...] Falar de forma não qualificada sobre "nosso amor comum a
Deus", como se o Alcorão e Alá e o Deus e Pai de Nosso Senhor
Jesus Cristo fossem o mesmo, e como se o significado de "amar a
Deus" nessas duas fés significassem a mesma coisa, é dizer
mais do que estou disposto a me comprometer. Não critico outros que
não compartilham esse desconforto. Mas, quanto a mim, senti a
necessidade de recuar.”vi
Este
evento ocorreu no primeiro ano de Hawkins em Wheaton, e não está
claro se ela tinha isso em mente quando esboçou suas próprias
declarações. Ainda, ao citar o Papa Francisco e posteriormente ao
teólogo de Yale Miroslav Volf e o curador consultivo de Wheaton e
antigo deão da Beeson Divinity School, Timothy George (entre
outros), Hawkins imaginou que suas palavras estivessem de acordo com
a declaração de fé da faculdade e fossem teologicamente
defensáveis. O que logo se tornou claro, entretanto, assim como o
documento "Loving God..." foi que alguns constituintes -
incluindo administradores - sentiram que a ideia de que cristãos e
muçulmanos adorem o "mesmo deus" contradizia o
comprometimento teológico com qual todos na faculdade devem
concordar. Em quinze de dezembro, Hawkins foi convocada a se
encontrar com o provost, outros membros do corpo administrativos e
representantes da faculdade, onde foi informada que seria colocada em
licença remunerada, assim como solicitada a fornecer uma explicação
por escrito de suas declarações.
No
tiroteio que se seguiu na mídia, houve artigos no New York Times,
Washington Post, The Atlantic, The Guardian (Reino Unido), USA Today
e muitos mais. Editoriais foram escritos defendendo ambos os lados do
debate. Mulheres muçulmanas escreveram editoriais tanto elogiando
quanto criticando as iniciativas de Hawkins. Estudiosos bíblicos,
historiadores, cientistas sociais e teólogos, vindo de diversas
tradições, escreveram textos expressando tanto apoio quanto
crítica.
No
campus, as opiniões se dividiram da mesma forma. Cerca de cem alunos
participaram de um protesto no campus e exigiram que o presidente
Phil Ryken reintegrasse a dra.Hawkins. Alguns levantaram suas vozes
para apoiar as ações administrativas e diversos outros escreveram
textos em blogs expressando apoio semelhante. A voz dos docentes tem
se mantido calada enquanto as discussões legais e institucionais
estão em andamento. Há um inquestionável e forte apoio à
professora Hawkins, além de preocupações sobre o processo. Ao
mesmo tempo, alguns membros do corpo docente expressaram apoio às
preocupações teológicas expressas na ação administrativa.
Sob
solicitação da administração, a dra.Hawkins forneceu à faculdade
uma explicação clara por escrito a respeito de suas declarações.
Neste documento, tornado público em cinco de janeiro (disponível
para consultas em http://drlaryciahawkins.org) ela explicou seu
entendimento sobre a declaração de que muçulmanos e cristãos
adoram ao mesmo Deus como não contraditória ao comprometimento com
a teologia trinitária, teologia da salvação através de Cristo
somente e outras doutrinas explícitas na Declaração de Fé da
faculdade, todas as quais ela declara continuar a afirmar. Ao
descrever sua compreensão sobre a noção de "mesmo deus",
ela escreve,
Como [Timothy George, John
Stackhouse, Scot McKnight, Miroslav Volf e os escritos pontifícios
pós-Vaticano II], reconheço que a afirmação "adoramos ao
mesmo Deus" é ao mesmo tempo um 'sim' e um 'não' à pergunta
se tanto cristãos quanto muçulmanos (assim como judeus) voltam-se
ao mesmo objeto de adoração, ou seja, o "Deus e Pai de Todos
nós, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos"
(Ef. 4.6).
Após
receber o documento, os administradores da faculdade pediram que
Hawkins fornecesse explicações pessoais adicionais ao Conselho
Diretor da instituição como condição para sua permanência como
professora titular. Ela recusou tal solicitação, e a partir de
então, as negociações entre os advogados de ambas as partes estão
em andamento. Em quatro de janeiro, a dra.Hawkins recebeu uma
notificação de rescisão de trinta e oito páginas. Embora este
documento não tenha se tornado público em sua totalidade, diversas
declarações à imprensa sugerem que a causa para a revogação de
titularidade e demissão da faculdade tenham sejam tanto teológicas
quanto contratuais, tendo a ver com "insubordinação" ou
sua falta de disposição para participar de conversas em andamento
para além de seu emprego seguro.
Deve-se
notar que a faculdade emitiu uma série de comunicados sobre as
diversas declarações feitas pela profa. Hawkins e outros membros do
corpo docente e alunos, expressando seu apoio pela liberdade que os
alunos e empregados de Wheaton têm para expressarem suas opiniões
sobre solidariedade religiosa. Eles foram claros ao dizer que a
decisão de suspender a dra.Hawkins não se deve a sua decisão de
usar o hijab (embora uma série de comentaristas tenham criticado tal
iniciativa), mas por causa de uma "falta de clareza" sobre
suas declarações consideradas teológicas em natureza,
principalmente a de que cristãos e muçulmanos adoram ao "mesmo
deus." Negaram que a raça ou gênero tenham sido fatores em sua
decisão, assim como estavam conscientes de que um número de
observadores tenha notado a dinâmica de que a única professora
titular mulher e negra estivesse recebendo o que era
indiscutivelmente uma resposta administrativa incomum.vii
Assim como este escrito, os administradores de Wheaton postaram uma
página de Frequently Asked Questions (perguntas frequentes) em sua
página na internet abordando uma série de questões que tem sido
veiculadas a respeito da suspensão da dra.Hawkins. Parece claro que
isto tem se tornado algo como um teste de Rorschach para aqueles se
perguntando sobre o estado de Wheaton College, do evangelicalismo e
mesmo do cristianismo nos Estados Unidos. Para alguns, isto é mais
uma prova sobre a natureza obtusa, culturalmente e racialmente míope
do evangelicalismo norte-americano, que desliza rumo à irrelevância.
Para outros, é um caso de uma instituição enfrentando as forças
do liberalismo e pluralismo que desvalorizariam a reivindicação da
verdade do evangelho e das distinções teológicas cristãs em nome
da tolerância. Não importa como o caso particular da dra.Hawkins
irá se resolver, parece claro que tais questões e iniciativas
atingiram áreas vitais da missão e do diálogo cristão; elas
certamente merecem reflexão ponderada que seja biblicamente,
culturalmente e teologicamente sólida.
*Brian
M. Howell é Professor de Antropologia no Wheaton College.
FONTE:
Publicado originalmente em
https://www.emsweb.org/images/occasional-bulletin/special-editions/OB_SpecialEdition_2016.pdf
Traduzido
por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com
)
i
http://www.cnn.com/2015/12/07/politics/donald-trump-muslim-ban-immigration/
ii
http://www.christianpost.com/news/evangelicals-condemn-franklin-grahamscall-to-ban-muslim-immigration-afterchattanooga-shooting-141697/pageall.html
iii
https://www.washingtonpost.com/news/acts-of-faith/wp/2015/12/05/libertyuniversity-president-if-more-good-peoplehad-concealed-guns-we-could-end-thosemuslims/
iv
A visita do corpo docente de Wheaton (a faculdade) ao Centro
Islâmico de Wheaton (a localidade) foi compartilhada mais de 500,
atingindo um número estimado de mais de 50.000 pessoas. Uma carta
aberta a Jerry Falwell Junior escrita pelos alunos de Wheaton e
publicada no jornal da escola (The Wheaton Record) foi republicada
no Washington Post. O post na página do Facebook da professora
Larycia Hawkins foi primeiramente noticiado pelo Chicago Tribune,
depois pelo site Christian Post, antes de circular amplamente
através de uma série de veículos da mídia impressa e online. A
cobertura se estenderia, finalmente, à televisão, ao National
Public Radio, diversos veículos europeus e inumeráveis blogs e
postagens online.
v
Um dos docentes que participou na entrega de flores e do bilhete ao
Centro Islâmico de Wheaton também escreveu que cristãos e
muçulmanos compartilham a adoraçao ao "único e verdadeiro
Deus." Sua nota, em papel timbrado de Wheaton, foi postada na
página do Facebook do Centro Islâmico e também recebeu críticas
e preocupações administrativas. Também foi solicitado que ela
fornecesse uma resposta escrita à administração, a qual foi
aceita sem que qualquer medida adicional fosse exigida.
vi
Relato mais completo aqui:
http://www.acommonword.com/wheatoncollege-administrators-remove-names-fromchristian-muslim-statement/
vii
A única outra ocasião na qual um professor titular foi colocado em
licença administrativa nos últimos vinte anos foi o caso de um
professor acusado (posteriormente
condenado) de possuir
e comercializar pornografia infantil.
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